Um chantagista anônimo pegou, pelo menos, dois criadores do YouTube em um esquema envolvendo exigência de dinheiro e leis sobre direitos autorais que apresentam diversas falhas.

Na semana passada, ambos os criadores compartilharam histórias de como seus canais estavam sendo ameaçados com um terceiro ataque envolvendo direitos autorais – e o possível encerramento de seus canais – de um estelionatário anônimo. O golpista cobrou um pagamento, que deveria ser feito em uma carteira de bitcoins (que, até o momento dessa matéria, estava vazia) ou em uma conta conjunta no Paypal (que foi deletada).

“Uma vez que recebermos nossos pagamentos, cancelamos os strikes (penalidades) no seu canal,” escreveu o golpista em uma mensagem via Telegram para uma das vítimas — ObbyRaidz — que comanda um pequeno canal dedicado ao Minecraft. “Você está livre para cobrar, caso não o façamos, mas te garanto que faremos. Nós te daremos pouco tempo para tomar sua decisão”, acrescentaram.

Strikes de copyright servem a um propósito importante para o YouTube, uma vez que eles previnem material protegido — de músicas pop até trailers de filmes — de serem usados sem autorização. Os YouTubers que recebem um ou dois strikes precisam excluir os vídeos inadequados ou ofensivos. Recursos como gerar receita podem ser restritos a longo prazo. E conseguir esses privilégios de volta pode levar meses de trabalho, especialmente para canais menores, que são frequentemente negligenciados em favor daqueles maiores ou mais populares.

Três strikes de direitos autorais em um período de três meses pode derrubar um canal permanentemente. Em um vídeo curto postado em seu canal no dia 29 de janeiro, ObbyRaidz descreveu isso como “basicamente extorsão”. “Se nós não tivéssemos pagado esse cara, ele adicionaria o terceiro strike nos meus vídeos.”

Essa não é a primeira vez que o não tão perfeito sistema de direitos autorais do YouTube apunhalou os criadores de conteúdo pelas costas. A abordagem sem moderação da plataforma permitiu que os trolls dos direitos autorais prosperassem por anos – não apenas em extorsão, mas em calúnias, por exemplo. Eles também podem ser usados para suprimir notícias negativas. Algumas empresas têm atuado contra comediantes, utilizando as regras de copyright em uma tentativa de sufocar quaisquer vídeos que zombam de sua marca.

Os estelionatários também usaram o sistema de direitos autorais do YouTube para prejudicar canais menores (atitudes chamadas “phish” e “doxx”). Para enviar uma solicitação de redefinição de conta, as políticas do YouTube determinam que o criador forneça suas informações pessoais, o que pode abrir as portas para o assédio na vida real. Esta não é a primeira vez que golpistas se aproveitam da plataforma. Casos semelhantes de canais menores sendo desconectados usando esse tipo de golpe apareceram muitas vezes nos fóruns de ajuda do site — que são uma das únicas pontes de contato com o YouTube. 

Atendimento omisso do YouTube

Em seu vídeo, ObbyRaidz conta que suas tentativas de contatar o pessoal do YouTube ou quaisquer tentativas de revogar os ataques foram negadas ou não respondidas.

Aqueles que são capazes de recorrer dos strikes também percorrem um caminho difícil. O processo, quando bem-sucedido, pode levar pelo menos um mês – durante esse período, “você não pode fazer upload de vídeos”, segundo Pierce Riola, um dublador cujo canal do YouTube foi já atingido por golpes semelhantes.

Alguns criadores — incluindo Pierce — reportaram que o algoritmo do YouTube pode “punir” os canais que interrompem o upload por um período prolongado. Eles ficam relegados às últimas partes do feed — onde seu conteúdo tem menor probabilidade ser visto. Um canal menor que luta contra as regras de direitos autorais pode sofrer quase tanto dano quanto se fosse excluído.

O que quer que os golpistas tenham feito com os canais de ObbyRaidz e KenzoOG foi revertido. “Ambos os strikes foram retirados e os vídeos, repostados”, disse o YouTube pelo Twitter, em resposta a ObbyRaidz. Procurada pelo The Verge, a companhia confirmou o ocorrido.

Perguntado sobre suas políticas a respeito dos abusos envolvendo as diretrizes de direitos autorais, o portavoz do YouTube, apontou para uma declaração anterior. “Após revisão, esses avisos de remoção (de vídeos) foram abusivos”, disse. “Nós temos tolerância zero com solicitações judiciais fraudulentas, por isso encerramos os canais responsáveis por elas”.

O incidente traz preocupações reais no que diz respeito à habilidade do YouTube de responder às tentativas de chantagem embasadas em direitos autorais. ObbyRaidz não foi ouvido pelo YouTube antes do apoio dos milhares de retweets e centenas de comentários. Até mesmo canais grandes só conseguiram chamar a atenção da plataforma depois de tweets que viralizaram.

O maior problema é a estrutura dos direitos autorais da rede social. Ela joga toda a investigação no acusado, sem questionar o acusador. Como um usuário do Reddit pontuou, o estelionatário foi capaz de conduzir todo o processo a partir de um canal recém criado, sem vídeos, usando apenas um e-mail descartável — fácil de criar e fácil de ser considerado suspeito.  

A plataforma trabalha (ingenuamente) assumindo que apenas os usuários que realmente tiveram seu conteúdo roubado fazem as denúncias. A página de instruções para aqueles que usam o YouTube os adverte para que não usem o processo incorretamente. “Mas esse não é o mundo em que vivemos em 2019”, diz Annemarie Bridy, professora de direito da Universidade de Idaho, especializada em direitos autorais. “É um estatuto (criado) em uma era mais inocente e otimista na história da Internet”.

Como Bridy colocou, o problema é incentivo: o YouTube tem muito mais a perder com detentores de direitos autorais furiosos do que com um ou outro usuário irritado. Críticos de filmes na plataforma, que tiveram seus canais bombardeados de strikes da Universal Pictures depois de incluir trechos dos filmes em seus reviews, por exemplo. Mesmo depois de afirmar que eles eram protegidos com uso justo do conteúdo, alguns descobriram que o YouTube ficou do lado do estúdio e não dos criadores de conteúdo, por exemplo.

“São os pequenos que se perdem na confusão”, diz Bridy. “É uma pena, porque na verdade são eles que fazem o YouTube valer a pena.”