Desinformação é o mais novo produto à venda na Deep Web

Estudo mostra como é fácil e barato contratar fornecedores especializados, capazes de criar rapidamente campanhas em redes sociais e na imprensa, para divulgar qualquer tema à escolha do contratante
Rafael Rigues01/10/2019 18h56, atualizada em 01/10/2019 18h58

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Nos últimos anos vimos as “fake news” se tornarem uma ferramenta poderosíssima, com grupos usando as redes sociais para amplificar discursos e influenciar até mesmo os rumos de grandes nações. Portanto não é de se estranhar que a desinformação, para usar o termo em português, tenha se tornado o mais novo produto à venda na Deep Web, à disposição de indivíduos, empresas e grupos políticos dispostos a pagar o preço certo.

Pesquisadores do Insikt Group, braço de pesquisa de ameaças da empresa norte-americana Recorded Future, conduziram um experimento para verificar o custo e a facilidade de implantação de uma campanha de desinformação. Para isso, contataram fontes na Deep Web que ofereciam seus serviços em fóruns de discussão russos.

A idéia foi criar uma empresa fictícia chamada Tyrell Corp (uma referência a Blade Runner) e estabelecer duas campanhas. Uma com conteúdo positivo sobre a empresa, conduzida por outro grupo identificado como Raskolnikov (uma referência à novela Crime e Castigo, de Dostoiévski), e outra com conteúdo negativo, que seria conduzida por um fornecedor apelidado de Doutor Jivago (uma referência ao livro de Boris Pasternak)

Segundo os pesquisadores, o processo foi “assustadoramente simples” e em ambos os casos levou menos de um mês. Ambos os fornecedores foram extremamente profissionais, respondendo a questões, sugerindo estratégias para maximizar o impacto das ações e modificando o conteúdo produzido de acordo com as necessidades do cliente.

O escopo do trabalho é altamente customizável, de forma que o custo da campanha pode ser facilmente adaptado aos recursos disponíveis, indo de US$ 15 por um artigo com 1.000 caracteres a US$ 1.500 mensais por serviços de SEO para promoção de conteúdo.

Os resultados não demoraram a aparecer. Segundo o Insikt Group, duas semanas após começar a trabalhar com Rasklonikov a Tyrell Corporation estava “na mídia”, com dois artigos publicados na imprensa: um em um veículo de pequeno porte e outro em um “veículo de boa reputação, que publica um jornal há mais de um século”.

O mais impressionante, para os pesquisadores, foi a capacidade dos fornecedores de criar e manter milhares de contas usadas para replicar o conteúdo em redes sociais, sem levantar suspeitas de sistemas de moderação.

A estratégia social do Doutor Jivago era usar contas mais antigas, ativas nas redes sociais há mais tempo, como “sementes” para iniciar a disseminação da informação, dando a ela mais credibilidade. Então perfis falsos criados mais recentemente começariam a seguir e compartilhar informações destas contas, ao mesmo tempo em que tentavam estabelecer amizade com usuários reais na região ou perfil demográfico da campanha. A idéia era fazer com que eles começassem a espalhar a informação de forma orgânica.

No total, o Insikt Group gastou cerca de US$ 6.000 (cerca de R$ 25.000) em ambas as campanhas, com US$ 1.850 sendo usados gastos com Raskolnikov para construir a reputação da Tyrell e US$ 4.200 com Doutor Jivago para destruí-la. Dinheiro que, segundo os pesquisadores, é uma “mixaria” para uma empresa ou grupo político.

Ao final, os pesquisadores concluem: “se a facilidade que encontramos em nosso experimento servir de indicação, acreditamos que a desinformação como serviço em breve irá se espalhar, deixando de ser uma ferramenta usada por nações para uma cada vez mais usada por indivíduos e organizações”.

Fonte: Recorded Future

Colunista

Rafael Rigues é colunista no Olhar Digital