Nesta quarta-feira, 14, o físico britânico Stephen Hawking faleceu. Conhecido em geral por sua luta contra a doença que o afligiu a vida toda e por seus eventuais pronunciamentos sobre alienígenas e inteligência artificial, ele foi, no entanto, um dos físicos mais importantes do século XX. Suas ideias e pesquisas são a base do que hoje consideramos verdadeiro sobre a origem e a natureza de todo o universo. 

Além de um cientista genial, Hawking também foi uma figura muito importante para a comunidade cientifica. Ao longo de sua vida, ele lutou pela divulgação, prevenção e tratamento da ELA (esclerose lateral amiotrófica, a doença que o afligia) e se esforçou para tornar os conceitos relativamente abstratos que pesquisava acessíveis ao maior número possível de pessoas.

Afinal, as perguntas que Hawking tentou responder são perguntas que muitos nós fazemos ao longo da vida: “como o universo começou?”, por exemplo, ou  “como o universo vai acabar?”. Sem recorrer a pensamentos religiosos ou dogmáticos e recorrendo apenas à lógica e à ciência, ele conseguiu nos trazer muito mais próximos das respostas a essas perguntas do que antes.

Conheça mais, a seguir, sobre a vida de Stephen hawking e sua importância para a física atual.

Começo da vida

Hawking nasceu no dia 8 de janeiro de 1942 em Oxford, na Inglaterra. Seus pais eram um médico e uma graduada em humanidades que davam muito valor à educação. Embora ele viesse a se tornar um dos maiores físicos de seu tempo, ele inicialmente teve dificuldade com seus estudos. Mas com o tempo, ele começou a demonstrar interesse e aptidão pelas ciências. 

Segundo a biografia “Stephen Hawking: His Life and Work”, de Kitty Ferguson, Hawking chegou a construir um computador chamado LUCE, feito de partes velhas de relógios e outros componentes mecânicos, enquanto ainda estava no colégio, com a ajuda de seu professor de matemática. Hawking de fato quis estudar matemática na universidade, mas seu pai queria que ele fosse para a Universidade de Oxford, onde na época não havia curso dedicado ao assunto. Por isso, Hawking acabou estudando física e química lá após ganhar uma bolsa em março de 1959.

Início de carreira e diagnóstico

Em Oxford, ele não foi apenas um bom aluno como também um mebro participante da comunidade, sendo um dos líderes da equipe de remo. Ele pretendia continuar seus estudos na Universidade de Cambridge, mas precisava de uma bolsa para poder fazê-lo, e quase não conseguiu: ele dormiu mal na noite anterior e sua nota na prova escrita fez com que fosse necessária uma prova oral para que ele conseguisse o que queria. 

De acordo com a biografia de Ferguson, Hawking intuia que seus professores não gostavam de tê-lo por perto, devido à postura de aluno audacioso. Por isso, durante o exame oral, teria dito o seguinte: “Se vocês me derem a nota necessária, eu irei para Cambridge; se não ficarei em Oxford. Então imagino que vocês me darão a nota”. Apesar (ou talvez por causa) dessa atitude, ele foi aprovado.

Mas sua vida em Cambridge não foi fácil. Vindo da área de matemática, ele teve dificuldade com os assuntos de Teoria Geral da Relatividade que precisou estudar nessa nova etapa. E como Hawking queria estudar cosmologia – a área da física que lida com a história e o desenvolvimento do Universo, e que na época ainda era vista como uma pseudociência – ele precisava superar esses desafios.

No entanto, houve algo ainda pior: a estabanação e as dificuldades para falar que haviam começado em seu terceiro ano em Oxford pioraram, e após uma série de consultas ele foi diagnosticado com esclerose lateral amiotrófica. A doença causa o desgaste das células nervosas do cérebro e da coluna vertebral que controlam o movimento dos membros, embora não afete a lucidez da mente – o que a torna mais ou menos cruel, dependendo da perspectiva. Os médicos lhe deram dois anos de vida.

Inicialmente, Hawking caiu em depressão: aos 21 anos, não lhe parecia fazer sentido continuar trabalhando em uma tese que ele não viveria para terminar. No entanto, diversos fatores – dentre os quais o seu relacionamento com Jane Wilde, com quem ele se casaria pouco depois – lhe deram força para continuar. Ele superaria todas as expectativas de seus médicos, vivendo 55 anos além de suas previsões.

O começo de tudo (tudo mesmo)

Quando Hawking começou a estudar física, a ideia que o Univeso começou em uma explosão conhecida como “Big Bang” ainda não era de todo aceita. Ela concorria com outra teoria, conhecida como “Steady State” (“Estado Estacionário”), que postulava que o Universo não tinha necessariamente um início, e que, a cada momento, seu futuro era idêntico ao que era em qualquer outro momento. 

Em 1970, no entanto, Hawking provou em uma tese que não era possível unir o que já se aceitava como verdade sobre física – incluindo a Teoria Geral da Relatividadede Einstein – a essa tese. O Universo, portanto, precisaria ter começado em um momento de “singularidade” (no qual tempo e espaço são uma coisa só). Ele é, portanto, um dos responsáveis pela ideia do Big Bang como o início do Universo ser aceita de maneira praticamente unânime.

Buracos negros

Algumas das maiores contribuições de Hawking para a física, no entanto, foram relacionadas a “buracos negros”. Esses corpos celestes, que podem ser pensados como “cadáveres de estrelas”, haviam sido descritos antes de Hawking, mas foi ele que conseguiu entender melhor do que qualquer outro pesquisador como eles “funcionam”, e o impacto que seu “funcionamento” tem sobre nosso universo.

O buraco negro surge de uma estrela: a estrela (nosso sol, por exemplo) gera energia fundindo átomos de hidrogênio em seu núcleo, numa reação que forma átomos de hélio e libera enormes quantidades de energia. Por causa de sua enorme massa, a estrela também tem muita gravidade e atrai para si corpos celestes próximos, “engolindo-os”. 

Com o tempo, no entanto, o hidrogênio e o hélio do núcleo da estrela vão acabando, e então ela começa a fundir átomos mais pesados – essas reações, no entanto, liberam menos energia. Ao mesmo tempo, a massa da estrela – e portanto sua massa – continuam a aumentar, o que faz com que ela atraia ainda mais coisas para si. Em um determinado momento, pois, a força da gravidade da estrela se torna maior que a pressão que seu núcleo faz para fora, e ela começa a “engolir” a si mesma.

Nesse ponto, a massa da estrela vai ficando cada vez maior, e seu volume (seu tamanho) cada vez menor. Chega um ponto em que sua gravidade se torna tão forte que nem mesmo a luz consegue escapar dela. Se a luz não escapa dela, ela não chega aos nossos olhos, e assim não podemos vê-la – por isso ela recebe o nome de “buraco negro”.

No momento exato em que a gravidade da estrela se torna tão forte que a luz não pode mais escapar dela, os últimos raios de luz que partiram dela ficam “parados” exatamente onde estavam quando isso aconteceu. A esfera em torno da estrela composta por esses raios de luz parados é conhecida como o “horizonte de eventos” do buraco negro – é a última informação que escapa dele. 

Hawking se deu conta de que o “horizonte de eventos” de um buraco negro nunca pode diminuir. A tese em que ele explica essa ideia compara o comportamento dos buracos negros a princípios da termodinâmica, e seria um primeiro movimento no sentido de mostrar que os princípios que regem o comportamento de buracos negros são coerentes com os princípios da termodinâmica. Se quiser saber mais sobre buracos negros, veja o vídeo abaixo:

Radiação Hawking

Continuando sua pesquisa sobre o assunto, Hawking se deu conta de que existe, sim, algo que “escapa” dos buracos negros – e que, apesar de engolir praticamente tudo, eles podem sim diminuir. Para isso, ele se fundamentou no princípio da incerteza da física quântica, segundo o qual não é póssível saber com precisão o valor de um campo (gravitacional ou magnético, por exemplo) e sua taxa de variação ao mesmo tempo – mas é possível saber que os dois valores não são zero ao mesmo tempo.

Esse princípio possibilita pensar que, continuamente, pares de partículas estão surgindo continuamente no universo – um positivo, outro negativo. Esses pares começam unidos, se separam brevemente em duas partes e se unem novamente em frações infinitesimais de um segundo. Dentre essas partículas estão os fermions, as partículas responsáveis por dar massa aos objetos. No momento de separação dos férmions, um deles (o positivo) é a matéria – o outro, negativo, é o que conhecemos como “antimatéria”.

Como o momento de separação dos pares das partículas é extremamente curto e elas logo se unem novamente, é praticamente impossível observar a antimatéria por si só. Embora ela esteja constantemente surgindo pelo universo, ela simplesmente se “anula” automaticamente praticamente na hora que surge – exceto quando ela surge justamente no horizonte de eventos de um buraco negro.

Lembrando: o horizonte de eventos é o último local em torno de um buraco negro do qual a luz consegue escapar – um pouquinho só mais perto e ela cai dentro do buraco. Quando um par positivo-negativo de férmions surge nesse local, pode acontecer de que, no momento de separação, uma das partes (a negativa) caia para dentro e a outra (positiva) fique para fora. Quem vê a partícula positiva vê, de fato, algo saindo do buraco negro – é isso que ganhou o nome de “radiação Hawking”, em homenagem a ele. 

E como a partícula que cai para dentro do buraco negro tem massa negatica, ela acaba diminuindo a massa total dele. Com o tempo, portanto, o buraco negro pode seguir emitindo radiação hawking até, eventualmente, deixar de existir. Essas descobertas de Hawking são a base para o nosso entendimento atual dos buracos negros.

Mais que isso: como os buracos negros são objetos bastante peculiares do universo, o estudo deles traz bastante informação sobre a história do universo. Com as pesquisas e ideias de Hawking, nosso entendimento sobre o universo pode crescer muito além do que sabíamos antes dele. Em 2011, por exemplo, o Prêmio Nobel da Física foi dado a pesquisadores que, atuando na linha de pesquisa de Hawking e usando conceitos solidificados por ele, conseguiram demonstrar que o universo está se expandindo de maneira cada vez mais rápida.

Divulgação científica

Os assuntos que Hawking pesquisou não eram exatamente simples. Mesmo assim, ele se esforçou para torná-los acessíveis a todos. Em 1988 ele publicou o livro “Uma Breve História do Tempo”, no qual ele busca explicar de maneira simples questões como o Big Bang e os buracos negros. O livro vendeu mais de 10 milhões de cópias.

Mas Hawking sabia que muita gente, mesmo tendo comprado o livro, não o havia lido inteiro por considerá-lo difícil. Por isso, em 2005 publicou “Uma História Mais Breve do Tempo” em colaboração com Leonard Mlodinow, simplificando ainda mais os temas e atualizando a obra com desdobramentos científicos que haviam surgido desde sua publicação original.

Tendo sobrevivido à sua doença muito além do que seus médicos esperavam, ele também se viu na posição de modelo para pessoas deficientes. Na virada do milênio, ele foi um dos autores da “Carta do Terceiro Milênio para os Direitos dos Deficientes”, na qual incitava os governos a investir na prevenção das causas de deficiências e nos direitos das pessoas deficientes. Em 2007, ele participou de um voo em ambiente simulado de gravidade zero para demonstrar as capacidades de pessoas deficientes e aumentar o interesse na exploração espacial. 

Ele também participou da cerimônia de abertura das Paraolimpíadas de 2012 em Londres, narrando um dos segmentos da cerimônia. Sua voz, aliás, era um assunto caro a ele: desde 1986, ele usava uma voz sintetizada (que funcionava por meio de um computador ligado á sua cadeira elétrica) para se comunicar. No início, ele a controlava com a mão; em seguida, ele passou a usar os músculos da bochecha e, finalmente, passou a controlá-la com os olhos. Mas até o fim da vida, o som de voz sintetizada que ele usava era o mesmo, pois ele se afeiçoou a ela. 

Em 2014, o início de sua vida foi retratado no filme “A Teoria de Tudo”, que trazia o ator Eddie Redmayne interpretando o jovem Hawking – ele ganharia o Oscar de Melhor Ator daquele ano por sua atuação. No mesmo ano, Hawking pretendia participar do “desafio do balde de gelo”: uma campanha lançada para gerar conhecimento sobre a esclerose lateral amiotrófica. Mas como ele havia tido pneumonia no ano anterior, os médicos recomendaram que ele não jogasse um balde de água com gelo sobre a própria cabeça. Seus filhos Robert, Lucy e Tim fizeram o desafio por ele. O vídeo pode ser visto abaixo: