Em fevereiro de 2009, uma pequena mudança de design aplicada ao Facebook gerou uma bola de neve que alterou fundamentalmente o comportamento dos internautas e a forma como praticamente todos os sites funcionam. Foi a introdução da “curtida”.
Leah Pearlman, uma cientista da computação de Denver (EUA), é creditada como responsável pela criação do botão. E hoje, já longe do Facebook, ela se mostra preocupada com as consequências daquilo que a fez famosa.
Pearlman concedeu uma entrevista a Julian Morgans, da Vice, na qual revelou que o “curtir” nasceu de um problema de redundância: “Por exemplo, se você escrevia ‘Vamos casar!’, todos os comentários costumavam ser ‘Parabéns’, um atrás do outro. Eu achava isso esteticamente feio, além do mais, toda vez que alguém dizia algo com mais sentimento, era difícil achar a postagem entre as outras redundantes. Então eu queria resolver esses dois problemas de uma vez.”
O trabalho de desenvolvimento levou bastante tempo e a equipe de Pearlman chegou a perder designers porque eles ficavam frustrados com o andamento do projeto. Mas não tinha jeito, era preciso levar em consideração que aquilo seria transformado num símbolo, então palavras e formatos tinham de ser estudados para que o recurso tivesse um significado universal. Em determinado momento, Mark Zuckerberg bateu o martelo e nasceu o ícone de joia.
Pearlman sentiu pela primeira vez que havia um lado nefasto na sua criação dois anos atrás. Ela tinha começado a publicar quadrinhos em seu Facebook e, como qualquer usuário, mantinha-se alimentada pelas curtidas. Só que, após uma das várias mudanças de algoritmo aplicadas pela rede social, ela notou que a resposta às suas histórias diminuíra.
“Eu estava tipo: ‘Espera aí, eu botei meu coração e alma nesse desenho, mas ele só tem 20 curtidas.’ Então, mesmo que eu pudesse culpar o algoritmo, algo dentro de mim estava tipo: ‘Eles não gostam de mim, não sou boa o suficiente. Preciso começar a comprar publicidade!'” E foi o que ela fez — só para conseguir sua atenção de volta.
Quando Morgans perguntou se ela admitia ser responsável por uma mudança operacional na internet, Pearlman lembrou um dos episódios mais impactantes da última temporada de “Black Mirror”: aquele em que o mundo gira em torno da validação virtual. “Quando vi aquilo, de repente eu me senti apavorada em me tornar uma daquelas pessoas, além de pensar que havia criado aquele ambiente para todo mundo”, disse.
Apesar disso, a hoje artista não aconselha ninguém a se forçar num sentido oposto às curtidas, simplesmente porque acredita que essa não seja a forma certa de se livrar dessa necessidade por validação constante. “Deixe-se querer ser curtido”, opinou. “Eu diria que a última coisa de que precisamos é autojulgamento por qualquer coisa. Acho que isso é uma das coisas que criaram essa epidemia, para começo de conversa.”
A “cura”, para ela, virá naturalmente, com o tempo, quando surgir uma plataforma diferente e melhor. “A experiência da validação externa nem se compara à verdadeira validação interna”, afirmou. “Estar profundamente satisfeita comigo mesma quando faço algo de que estou incrivelmente orgulhosa — não é nada com que uma curtida de Facebook possa competir.”