Existem dias em que queremos apenas ficar em frente à televisão assistindo a qualquer nova série ou filme que tenha sido adicionado ao Netflix, certo? E entre quatro paredes, podemos assistir a qualquer tipo de programa, desde de vencedores do Festival Sundance a comédias pastelão. Afinal de contas, quem poderá nos julgar? Na realidade, o próprio Netflix.

O Netflix oferece recomendações personalizadas para você, com o objetivo de disponibilizar séries e filmes condizentes com os seus interesses. Para fazer isso, a empresa criou um sistema de análise comportamental próprio, capaz de gerar um perfil sobre você com base naquilo que você consome dentro da plataforma, ou mesmo em cima do comportamento das pessoas que possuem os mesmos gostos que você. Para além disso, o Netflix também coleta dados sobre os horários em que você usa o serviço, o tempo que você passou assistindo ao conteúdo oferecido e mesmo quais foram os tipos de dispositivos usados para acessar o canal.

É claro que estas informações são guardados a sete chaves pela empresa, afinal de contas, existe um contrato que garante a segurança destes dados. Porém, isso não impede que o Netflix possa vir a compartilhar tais informações de forma anônima. Ou seja, a empresa pode oferecer aos parceiros uma análise de comportamento dos usuários, mas sem identificá-los. Por isso, sabemos quais são as séries mais assistidas na semana, por exemplo.

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Agora, imagine se alguém tivesse acesso a estes dados através de uma brecha na segurança. Bom, neste caso, essa pessoa saberia que, por exemplo, eu já assisti todas as temporadas de The Big Bang Theory pelo menos três vezes desde 2016. Ou que tenho preferência por maratonas de séries aos sábados. O que essa informação diria sobre mim?

Necessariamente, não precisa haver uma brecha de segurança na plataforma para termos a consciência de que essa coleta de dados realizada pelo Netflix é realmente perigosa e coloca em risco a nossa privacidade, mesmo que o objetivo seja oferecer um sistema de recomendação mais preciso.

Usei o Netflix aqui como um mero exemplo, pois serviços como o Spotify, o Uber, o Facebook, o AirB&B, a Amazon, o Google e muitos outros fazem o mesmo. Para se ter uma ideia, quando utilizamos o buscador do Google, ao conseguir o resultado desejado, estamos deixando um rastro de informações sobre o nosso comportamento na internet, os chamados cookies. Posteriormente, esses dados serão tratados, analisados e compartilhados pela empresa com suas parcerias.

Nós geramos dados a partir do momento em que acordamos, até o momento em que voltamos a dormir. E estas informações estão ficando cada vez mais valiosas.

Você é eternamente responsável por aquilo que “compartilhou”

Quando assinamos algum tipo de serviço e não nos preocupamos em dar limites ao acesso a nossas informações pessoais, estamos abrindo mão dos nossos dados. Quando aceitamos os termos de privacidade rapidamente por não querer ler todas as cláusulas, estamos abrindo mãos dos nossos dados. O cálculo é simples.

É claro que instituições públicas, privadas e sem fins lucrativos estão debatendo e criando regras de proteção de dados o tempo todo, mas isso não significa que tenhamos que ficar à margem desta discussão. Ou que possamos entregar nossas informações confiando apenas no sistema.

A consciência de proteção de dados deve surgir também do indivíduo. O Linkedin é um ótimo exemplo disso. A plataforma de empregos oferece uma série recursos, desde criar e compartilhar currículos e informações profissionais, até poder compartilhar notícias e imagens e, recentemente, vídeos. Se você é do tipo de pessoa que gosta de publicar histórias íntimas na plataforma, corre o risco de ser avaliado de forma diferente pelos recrutadores.

Tanto é que, para evitar este tipo de perfilização, o Facebook oferece aos usuários a chance de limitar o que pode ser mostrado em suas páginas oficiais para não seguidores. Contudo, o Linkedin é outro tipo de rede social, na qual se deve manter aberto o acesso às informações.  

E a geração de dados não ocorre apenas online, basta ser digital. Se você resolver fazer fotos de um momento íntimo, corre mais riscos de exposição do que se nunca tivesse as feito. Lembre-se, tudo pode ser usado a favor ou contra você, uma vez que os seus dados são públicos, estão passíveis de serem encontrados, analisados e utilizados para diversos fins.

E tudo isso está acontecendo agora, e não em um episódio da série Black Mirror!

O ranking social chinês

Nós vivemos em uma sociedade hierarquizada, classe baixa, média, alta e assim por diante, isso é intrínseco do sistema político-econômico vigente. Contudo, na era do capitalismo de dados, a tendência é de que a separação será ainda mais violenta.

No ano que vem, o governo chinês vai colocar em prática o seu sistema de classificação e hierarquização social a partir dos dados pessoais que os cidadãos compartilharam via aplicativos móveis. E essa pontuação pode determinar o acesso ao emprego, o lugar em que a pessoa poderá sentar em um transporte público ou até a escolha de um parceiro sexual.

O desenvolvimento deste “programa” começou em 2014, como uma espécie de “sistema de crédito social”, e até 2020 deve agregar os dados de vários sistemas de classificação de cidadãos que já existem a nível regional, bem como os rankings de crédito financeiro que foram criados pelas empresas de tecnologia do país.

E mais uma vez, na maioria das vezes, estes dados são recolhidos em cima daquilo que as pessoas decidiram compartilhar com as empresas que as fornecem algum tipo de serviço.

Você é o que você compartilha?

Se você abrir o aplicativo do Uber agora, acessar seu perfil, qual é a sua pontuação? Se alguém acessar as publicações dos últimos 10 dias no seu Facebook, o que vai descobrir sobre você? Fazendo uma pesquisa pelo seu nome nos motores de buscas ou dentro de redes sociais, o que você encontra? Se alguém encontrar o seu smartphone desbloqueado e resolver clicar nos dados de bem-estar coletados pelo software, o que vai saber sobre os seus hábitos de saúde?

Você já ouviu falar na expressão “quantified self”? Traduzida para o português, essa expressão significa “quantificado”. O termo vem se popularizando com o uso de objetos conectados que permitem às pessoas medir suas variáveis fisiológicas, principalmente relacionados com a nutrição, a atividade física ou o sono. E esses objetos conectados podem ser relógios e pulseiras inteligentes, um pedômetro ou, claro, um smartphone.

Com a introdução da tecnologia 5G nos próximos anos, e a popularização da Internet das Coisas (IoT), a produção destes dados será infinitamente maior e mais abrangente, visto que estaremos conectados o tempo todo, compartilhando informações.

Por isso, se você não deseja ser quantificado e etiquetado, comece a pensar hoje naquilo que você compartilha sobre si dentro do Netflix ou no aplicativo de bem-estar e saúde do seu celular.