Hoje, a Apple foi ordenada pela Justiça de São Paulo a parar de veicular propagandas com as informações de armazenamento de seus produtos, pois elas conteriam “propaganda enganosa”. O motivo para isso é que a quantidade de armazenamento informada nos materiais de divulgação não corresponde a quanto o usuário pode usar, já que parte dela é ocupada pelo sistema operacional dos aparelhos.
Quem comprou um iPhone e se sentiu lesado por causa dessa diferença também pode exigir seus direitos, segundo Livia Coelho, advogada e representante da Proteste (a organização civil que moveu a ação contra a Apple). Ela diz que o cliente da Apple pode ir até a loja onde comprou o aparelho e exigir uma restituição do valor pago de maneira proporcional à diferença entre a memória anunciada e a memória disponível.
Falta de clareza
Segundo Livia, o principal fator que motivou a ação contra a Apple foi a falta de clareza quanto à divulgação das características de seus dispositivos. “Foram analisados diversos fatores para chegar a essa conclusão: o tamanho da letra, a linguagem usada, entre outros. Mas, no geral, é a falta de clareza na comunicação com o consumidor que contou”, disse a advogada.
Apple e Samsung foram acionadas, mas por enquanto a Justiça de São Paulo só emitiu sentença sobre o caso da empresa dos iPhones. As empresas foram escolhidas tanto pela falta de clareza quanto por seu tamanho: são duas das marcas de celulares mais famosas do mundo. Mesmo assim, a comunicação das empresas quanto ao espaço disponível aos usuários em seus celulares ainda é confusa.
No site da Apple, por exemplo, ao clicar para comprar um iPhone 7, os primeiros itens que o usuário vê são “Cor” e “Capacidade2“. Encontrar o significado desse 2 exige uma breve viagem até o pé da página, onde é possível ler que “O espaço disponível é menor e varia de acordo com diversos fatores. A configuração padrão ocupa de 4 GB a 6 GB de espaço disponível aproximadamente (contando o sistema operacional iOS e os app incluídos), dependendo do modelo e ajustes”. Ou seja, não dá para saber com precisão quanto espaço você terá até que você tenha o celular em mãos.
No caso da Samsung, a página do Galaxy S8+, por sua vez, traz em sua parte superior apenas a informação de que ele possui 64 GB de memória. Para descobrir que parte dela é usada pelo sistema, o usuário precisa descer até o fim da página do produto, clicar em “Mostrar todas as especificações” e, então, ler o item “Memória”, que lista a “Memória Interna (GB)” como sendo “64 GB*”. Ao lado, é posssível ler “Memória Disponível (GB)*”, listada como “52.3 GB”.
Para entender o que esse asterisco significa, é necessário descer novamente até o final da página. Lá, pode-se ler que “A memória disponível para uso do consumidor pode sofrer variações, conforme versão do sistema operacional, aplicativos e/ou outros fatores”. O que significa que mesmo o valor informado sobre o item “Memória Disponível (GB)*” pode ser, ao fim, impreciso.
O que fazer?
O consumidor que se sinta lesado por ter adquirido um aparelho com menos memória do que imaginava pode, segundo a advogada e representante da Proteste, ir à loja exigir uma restituição. Essa restituição deverá ser proporcional à diferença entre a memória anunciada e a memória adquirida; por esse motivo, ela será maior quanto menor for o espaço total disponível para o usuário.
Segundo Livia, esse cálculo pode ser feito na comparação com um cartão microSD de tamanho equivalente à memória do dispositivo, por exemplo. Se a loja se negar a oferecer essa restituição, o consumidor pode acionar o Procon com a mesma finalidade. E se nem assim a empresa aceitar, a advogada afirma que eles podem acionar a loja na Justiça.
Livia ressalta que o pedido de restituição por divergência entre a memória anunciada e a memória disponível já era possível. No entanto, ela acredita que a decisão da justiça paulistana de hoje reforça as interpretações de casos futuros nesse sentido, e portanto aumenta as chances de que os consumidores lesados consigam a restituição. Ela ressalta que a Proteste considera essa decisão “uma vitória em relação aos direitos dos consumidores”.
No entanto, Gisele Truzzi, advogada especialista em Direito Digital, acredita que “será difícil atualmente o consumidor conseguir abatimento pelo valor pago no iPhone”. Isso porque a sentença ainda não transitou em julgado, o que significa que ela ainda pode ser reformada pelas instâncias superiores e que a Apple ainda pode recorrer dela.
Truzzi também argumenta que, ainda que haja falta de clareza, “o usuário, na realidade, já está acostumado com esse tipo de publicidade e tem ciência de que a capacidade de armazenamento divulgada acaba sendo menor na prática”.