De tempos em tempos, o mundo escuta o nome de Sergio Canavero. Você pode não lembrar dele, mas pode lembrar de sua promessa: realizar o primeiro transplante de cabeça (ou de corpo, depende do ponto de vista), no qual uma cabeça viva seria removida de seu corpo original e acoplada a um corpo de um cadáver. Agora seu nome voltou às manchetes com o anúncio de que o transplante foi realizado pela primeira vez, mas há algumas ressalvas.
Antes de comemorar o avanço científico, é importante notar que o transplante a que ele se refere é um experimento realizado apenas com cadáveres. A cirurgia pode ter transcorrido conforme o esperado, mas é difícil chamá-la de um sucesso quando todas as partes envolvidas estão mortas antes e depois do procedimento.
O procedimento foi, na verdade, um ensaio, realizado ao longo de 18 horas na China e utilizado como prova de conceito de que é possível conectar a medula espinhal e os vasos sanguíneos de duas pessoas diferentes. Até o momento, é o mais próximo que já se chegou de um teste com humanos. Antes de colocar a técnica em prática para valer, o cirurgião espera realizar o procedimento com dois pacientes com morte cerebral.
Canavero defende que sua ideia pode ser bem-sucedida, mas tem encontrado resistência na comunidade científica. Estados Unidos e Europa rejeitaram tomar parte no experimento, então ele realizou uma parceria com o governo chinês e com o médico Xiaoping Ren, com a expectativa de realizar o procedimento em breve.
É importante notar, no entanto, que já houve algumas vezes em que ele afirmou que estava perto de colocar sua promessa em prática. Em 2015, ele declarou que o procedimento seria realizado em 2017 com o paciente russo Valery Spiridonov, portador da Doença de Werdnig-Hoffman, um tipo de atrofia muscular espinhal que resulta em enfraquecimento muscular para o qual ainda não existe nenhum tipo de tratamento conhecido. No entanto, a operação foi cancelada e um novo paciente se voluntariou, desta vez chinês, mas sem identidade revelada. O prazo de 2017 também foi abandonado.
Cientistas não acreditam em Canavero
A comunidade científica rejeita profundamente as proposições de Canavero. Um exemplo da reação às suas ideias está em uma coluna do site The Guardian assinada pelo neurocientista Dean Burnett, em que ele cita algumas inconsistências básicas.
“O corpo humano não é modular. Você não pode trocar partes como se fossem peças de Lego, tirando uma peça de um castelo para colocar em um navio pirata e esperando que tudo funcione bem. Há vários obstáculos a serem derrubados para ligar uma cabeça a um corpo, mesmo quando ambos pertencem à mesma pessoa. Médicos conseguiram, recentemente, “reconectar” uma medula espinhal severamente danificada em uma criança jovem, mas a palavra-chave é “danificada” e não “completamente cortada”; há ainda conexão suficiente para se trabalhar, reparar e reforçar. E isso foi feito com uma criança, com um sistema nervoso em desenvolvimento, com maior capacidade para compensar. Mesmo levando tudo isso em consideração, mesmo com a medicina mais avançada que temos hoje, o procedimento foi considerado praticamente milagroso”, nota Burnett.
Além disso, ele questiona a validade dos experimentos feitos até hoje para embasar as propostas de Canavero. “Ele recentemente diz ter realizado um transplante de cabeça ‘bem-sucedido’ em um macaco. Mas ele realizou mesmo? Ainda que a cabeça do macaco tenha aparentemente sobrevivido ao procedimento, ela nunca recobrou consciência e foi mantida viva por apenas 20 horas por ‘razões éticas’ e não houve tentativa de religar a medula espinhal, então mesmo se o macaco tivesse sobrevivido a longo prazo, ele permaneceria tetraplégico pelo resto da vida. Então, foi um procedimento bem-sucedido, se você considerar a paralisia, falta de consciência e tempo de vida de menos de um dia como indicadores de ‘sucesso’”.