Até que ponto o Whatsapp poderia ignorar a Justiça brasileira?

Redação17/12/2015 16h09, atualizada em 17/12/2015 16h36

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Após pouco mais de 12 horas, o aplicativo Whatsapp voltou a funcionar gradualmente no Brasil, com a revogação de uma ordem judicial que o deixou suspenso em todo o território nacional – e que originalmente se estenderia por 48 horas. No entanto, toda essa história começou no momento em que o Whatsapp descumpriu uma determinação da Justiça brasileira.

Casos como esse não são novidade no Brasil. Em setembro de 2012, o então presidente da divisão nacional do Google, Fábio Coelho, teve prisão decretada pelo Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso do Sul. A acusação foi de que a empresa descumpriu uma ordem anterior para retirar um vídeo do YouTube, envolvido em um outro processo sobre difamação.

No caso do Whatsapp, a ordem foi para que o aplicativo de mensagens entregasse à Justiça dados referentes a uma investigação de latrocínio e tráfico de drogas. Assim como o Google Brasil, o Facebook – que é dono do Whatsapp – se recusou a entregar essas informações, por motivos que ainda seguem sob sigilo de Justiça.

“Uma empresa não pode dizer ‘não estou a fim de cumprir essa ordem’, rasgá-la, jogá-la fora e está tudo bem. O Poder Judiciário precisa se posicionar para obrigá-la a obedecer”, explica a advogada e especialista em direito digital Gisele Arantes. Segundo ela, o bloqueio do Whatsapp foi a medida considerada cabível pela juíza do caso para punir o descumprimento da lei.

“Bloquear o Whatsapp foi uma punição que não afeta em nada a investigação”, diz ainda Leandro Bissoli, sócio do escritório Patrícia Peck Pinheiro Advogados e também especialista em Direito Digital. Para eles, assim como outros profissionais ouvidos pelo Olhar Digital, a decisão da Justiça foi exagerada. “É um grande retrocesso no Poder Judiciário”, comenta Gisele.

Marco Civil e o direito internacional

A justificativa usada pela juíza que ordenou a suspensão do Whatsapp se baseia no Marco Civil da Internet, uma lei sancionada em 2014 que define direitos e deveres para provedores e usuários da rede mundial de computadores no Brasil. No terceiro parágrafo de seu 12º artigo, a lei prevê claramente a suspensão de serviços eletrônicos que desobedecerem a Justiça.

Mas até que ponto essa lei é praticável, especialmente quando lidamos com empresas de fora do Brasil? É o que questiona Adriano Mendes, sócio fundador do escritório Assis e Mendes e também especialista em questões jurídicas envolvendo a internet: “O Brasil quer impor sua legislação para empresas que não estão sediadas aqui”.

“Imagina que você tem uma empresa no Brasil e recebe uma ordem do governo da Zâmbia para demitir um funcionário. E se não cumprir, tem que pagar uma multa em moeda zambiana”, compara o advogado. “[Bloquear o Whatsapp] foi o último recurso daquela juíza. Ela tinha a pena e o machado na mão. Como a pena não deu resultado, ela teve que usar o machado”.

Para Mendes, uma solução para casos como esse se encontra na Europa, na chamada Convenção de Budapeste. Em 2001, um conselho formado por diversos países definiu um “padrão” sobre como se comportar em casos de crimes virtuais. Os signatários obedecem a um mesmo conjunto de normas que facilita essas relações entre governos diferentes em ações que ultrapassam fronteiras políticas.

O Brasil foi convidado a fazer parte da Convenção de Budapeste, mas optou por não assinar e elaborar seu próprio tratado particular: o Marco Civil. Embora seja elogiada por outros países, a iniciativa não entra em acordo com governos estrangeiros sobre como tratar esses crimes “multinacionais”, de modo que casos como o do Whatsapp podem se repetir a qualquer momento.

Além das fronteiras

O que acontece é que, por mais que a empresa tenha um representante no Brasil – o Facebook -, e que esse representante tenha sido notificado pela ordem judicial, os dados exigidos pela Justiça estão armazenados nos Estados Unidos, seguindo leis diferentes. É como se o Facebook estivesse dividido entre obedecer a lei brasileira e a norte-americana.

“A gente ainda não tem na legislação um recurso rápido para alcançar empresas que estão lá fora”, explica Gisele Arantes. “Se você demanda uma informação de uma empresa X que está lá na Califórnia, por exemplo, você tem que entrar com uma ação na Justiça do Brasil, que vai enviar uma Carta Rogatória para o Supremo Tribunal de Justiça, que vai expedir um documento para esse outro país, que vai encaminhar esse documento para o departamento da Justiça responsável, para que só então essa ordem seja cumprida.”

De acordo com a advogada, todo esse processo pode levar até dois anos – sem contar os recursos e todas as ações que podem adiar ainda mais sua resolução. Contudo, no caso do Whatsapp, o Facebook é obrigado a responder as leis daqui por possuir um representante em território nacional, que transporta e gerencia esses dados estrangeiros para os usuários daqui.

Na visão de Leandro Bissoli, um acordo de cooperação internacional poderia resolver casos como esse sem afetar tão drasticamente o dia-a-dia dos brasileiros. “O grande desafio é criarmos uma adequação para o Marco Civil, aplicar uma extensão extra-territorial. Como a gente não tem acesso à íntegra do processo, não há como saber se esse ponto foi levantado. Mas é preciso criar mecanismos para que as empresas de fora obedeçam às nossas leis.”

Colaboração para o Olhar Digital

Redação é colaboração para o olhar digital no Olhar Digital