Por fora, um iPod de quinta geração normal, com 60 GB de memória, cheio de músicas. Por dentro, um aparelho secreto, desenvolvido pelo Departamento de Energia dos Estados Unidos, em parceria informal com a Apple, com capacidade para gravar dados de forma escondida. Parece coisa de filme de espionagem, mas aconteceu de verdade, de acordo com um ex-engenheiro da empresa.
Em 2005, David Shayer era engenheiro de software da Apple, na divisão dos iPods. De acordo com um relato que ele escreveu para o site TidBITS, neste ano o chefe do seu chefe lhe abordou com uma tarefa especial: “você ajudará dois engenheiros do Departamento de Energia a construir um iPod especial. Reporte apenas a mim”.
No dia seguinte, dois homens estavam esperando Shayer no saguão da empresa. Paul e Matthew eram os engenheiros que iriam construir este iPod personalizado, mas não eram do governo, e sim da Bechtel, uma prestadora de serviços de defesa para o Departamento de Energia. “Eu adoraria dizer que eles usavam óculos escuros e sobretudos, e olhavam para os reflexos das janelas para se certificar de que não tinham sido seguidos, mas eram engenheiros perfeitamente normais na casa dos trinta e poucos anos”, lembra Shayer.
O projeto consistia em construir um iPod normal e funcional, mas que também pudesse gravar secretamente dados em hardware personalizado. Shayer trabalho na equipe do iPod desde quando essa “equipe” tinha apenas duas pessoas, ele e o chefe que o indicou para esta tarefa. “Na época, o iPod não era um dispositivo particularmente fácil de modificar”, explica o engenheiro, por isso, ele deveria auxiliar os colegas da Bechtel no que fosse preciso, mas sem envolver a Apple diretamente.
A empresa não forneceu nenhum hardware ou software e toda comunicação foi feita pessoalmente – sem deixar rastros. Da mesma forma, embora Shayer tenha dado a Paul e Matthew as ferramentas de que precisavam para descobrir como construir o dispositivo, ele diz que nunca viu o hardware personalizado que foi adicionado ao iPod modificado.
“Requisitei um escritório vazio em nosso prédio e fiz com que o departamento de TI da Apple redirecionasse os pontos Ethernet naquele escritório para que eles se conectassem apenas à Internet pública, fora do firewall da Apple”, conta Shayer, o que impedia os engenheiros de acessar a rede interna da empresa. Paul e Matthew tampouco tiveram permissão para acessar o código-fonte do iPod diretamente. “Em vez disso, dei a eles uma cópia do código-fonte em um DVD e expliquei que não podia sair do prédio”.
Até os aparelhos que foram modificados foram levados pelos engenheiros da Bechtel. “Eles compraram iPods de varejo para trabalhar, várias dezenas pelo menos, possivelmente muitos mais”, lembra Shayer. O iPod de quinta, mais conhecido como “iPod com vídeo”, oferecia algumas vantagens para se trabalhar: era relativamente fácil de ser aberto (sem deixar marcas no aparelho) e seu um disco de 60 GB oferecia muito espaço para guardar músicas e ainda gravar dados extras. “E foi o último iPod para o qual a Apple não assinou digitalmente o sistema operacional”, completa Shayer.
Quando Paul e Matthew conseguiram inserir o hardware secreto no aparelho e agora precisavam descobrir como ocultar os dados gravados, Shayer sugeriu que criassem uma partição oculta. A ideia é que se alguém conectasse o iPod em um computador, “o iTunes o trataria como um iPod normal e pareceria um iPod normal em o Mac Finder ou o Windows Explorer”, conta o engenheiro
Com o projeto concluído, os funcionários da Bechtel devolveram o DVD com o código-fonte e suas credenciais, se despediram e nunca mais falou-se naquilo. Na Apple, diz Shayer, nenhum registro foi mantido sobre o projeto, e apenas quatro pessoas, incluindo Shayer, sabiam sobre ele (nenhum dos quatro trabalha mais na Apple).
E para que servia o iPod secreto? O ex-funcionário da Apple não sabe, mas acredita que foi provavelmente um tipo de contador Geiger que os agentes do Departamento de Energia poderiam usar para registrar níveis de radioatividade em um local enquanto pareciam ouvir música.
“Você pode andar pela cidade, ouvindo casualmente suas músicas, enquanto grava evidências de radioatividade – procurando urânio contrabandeado ou roubado, por exemplo, ou evidências de um programa de desenvolvimento de uma bomba suja – sem nenhuma chance de que a imprensa ou o público fiquem sabendo o que estava acontecendo”, cogita Shayer.
Com o tempo, os contadores Geiger – assim como qualquer eletrônico – ficaram menores e mais baratos. E Shayer conta que acha o Radiation Alert Monitor 200, “muito parecido com um iPod clássico”.