5G aumenta o risco de câncer ou não? Entenda essa questão

Muito se fala sobre o 5G ser um risco para a saúde, mas não há qualquer evidência concreta
Renato Santino24/07/2019 00h32, atualizada em 24/07/2019 11h00

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O 5G já é uma realidade em algumas partes do mundo. Estados Unidos, Coreia do Sul, Austrália e Reino Unido são alguns dos países que já implementaram as redes de internet móvel de quinta geração, e os resultados até o momento são impressionantes: quando há cobertura plena, as velocidades de transferência chegam a 1 Gbps, o que é difícil de encontrar até mesmo em conexões fixas aqui no Brasil.

No entanto, a introdução do 5G começou a trazer outras preocupações que vão muito além da qualidade da conexão. Afinal de contas, as ondas de rádio que servem como base para a conectividade 5G trazem algum prejuízo para a saúde dos seres vivos? Não faltam temores de que esses danos sejam reais, e, inclusive, eles chegaram a motivar um projeto de lei em Santa Catarina que impediria a implementação das novas redes no estado.

A justificativa do projeto de lei se baseia, no entanto, em uma “fake news”, ou, em bom português, um boato infundado. No ano passado, começou a surgir a informação de que centenas de pássaros haviam morrido em um parque em Haia, na Holanda, após supostos testes com redes 5G na região. No entanto, no momento da morte dos pássaros, não havia qualquer teste acontecendo na região, e o site Snopes, especializado em refutar boatos, concluiu que as mortes, apesar de não terem uma explicação clara, não foram fruto de testes com 5G. A explicação é simples: o único teste com 5G realizado na região havia sido em junho de 2018, enquanto as mortes aconteceram em novembro do ano passado.

O que é real é que esse tipo de morte em massa de pássaros não é tão incomum quanto parece. Tanto é que, em 2011, a Associated Press chegou a publicar uma matéria relatando que esses tipos de eventos se tornaram mais notáveis, mas não por acontecerem com mais frequência. O que acontece é que, com a popularização dos celulares, esses fatos acabam registrados e publicados em redes sociais, ampliando consideravelmente o seu alcance, mas não há evidências de que ondas de rádio tenham efeitos letais sobre as aves.

Reprodução

Ok, mas e sobre os humanos?

Sempre que falamos em ondas de rádio, existe o temor de que elas venham a causar câncer, especialmente quando são suas novas aplicações. Essa preocupação também existia quando o 4G começou a ser experimentando e difundido no final da década passada e muito provavelmente voltará quando começarmos a falar sobre o 6G.

No caso do 5G, há um fator complicador. Pela primeira vez, estamos falando nas ondas milimétricas, que são ondas de rádio em uma frequência consideravelmente mais alta do que as usadas para o 4G, para aplicações de internet móvel. Estamos falando em ondas de mais de 24 GHz que servirão para habilitar o 5G; para referência, a frequência mais alta do 4G é de 2,6 GHz, ou 10 vezes menor.

Essas frequências mais altas têm algumas consequências: por terem menor alcance e maior dificuldade de penetrar obstáculos sólidos (como uma parede), elas precisam de mais antenas para oferecer uma cobertura consistente. Isso também não ajuda o argumento de que o 5G será inofensivo.

No entanto, até hoje não há estudos que concluam de forma categórica que ondas celulares causem problemas de saúde aos humanos. O que há é o contrário: em 2014, a OMS (Organização Mundial da Saúde) publicou um artigo no qual reafirma que não foram encontradas evidências claras de que a radiofrequência ligada à telefonia celular cause efeitos negativos à saúde. Isso vale tanto para os efeitos de curto prazo quanto de longo prazo.

Segundo a OMS, quando o assunto é curto prazo, o máximo que foi observado foi um aumento desprezível de temperatura no cérebro e em outras partes do corpo. A maioria das frequências são absorvidas pela pele e não chega a alcançar órgãos internos, de modo que não há evidências consistentes de danos à saúde. Já no longo prazo, a situação fica mais complicada. “Pelo fato de que muitos cânceres não são detectáveis até muitos anos depois das interações que levaram ao tumor, e já que celulares não se tornaram comuns até o início dos anos 1990, estudos epidemiológicos podem apenas atestar cânceres que se tornaram evidentes dentro de períodos mais curtos de tempo. No entanto, os resultados de estudos com animais consistentemente mostram que não há aumento de risco de câncer por exposição de longo prazo a campos de radiofrequência”, diz a página.

Mas e as frequências mais altas do 5G? Elas não podem ter um impacto maior? Neste caso, a referência é o estudo da ICNIRP (Comissão Internacional de Proteção à Radiação Não-Ionizante) publicado em 1998 e reforçado em 2009, que indica que baixo risco à saúde oriundo de exposição a baixos níveis de radiofrequência, mesmo que a frequência chegue a 300 GHz. A organização reforçou a posição em 2019 quando questionada pelo Snopes diante da situação do 5G, apontando que o nível de exposição tende a ser similar ao visto com o 3G e o 4G, que já estão muito abaixo dos limites recomendados pela entidade.

Outros riscos?

Se não há provas do risco de ondas de rádio à saúde humana, isso quer dizer que o 5G é totalmente seguro? Não necessariamente. Existem outros potenciais transtornos especialmente relacionados à interferência com outros sistemas importantíssimos que operam em altas frequências similares.

Essa é uma preocupação que tem ganhado corpo nos últimos meses, com uma expansão do 5G em vários pontos do mundo. A NASA e a NOAA (Administração Oceânica e Atmosférica Nacional dos EUA) alertam que existe um risco de que o uso das ondas milimétricas para o 5G, mais especificamente na frequência de 24 GHz, pode afetar equipamentos de previsão de tempo, o que pode dificultar a detecção de situações extremas, como furacões, e fazer com que o alerta aos potenciais afetados por uma tempestade demore mais a ser emitido, arriscando vidas de pessoas em nome de uma internet mais rápida.

A explicação é de que o vapor d’água emite uma frequência de onda muito fraca na frequência de 23,8 GHz, que é capturada pelos satélites e permite calcular e prever mudanças no tempo. Se o 5G interferir na captação desses sinais, a previsão pode ser comprometida, já que os dados poderiam ser contaminados e, fatalmente, teriam que ser descartados.

Isso é um problema global. Muitos países já começaram a leiloar espectros de radiofrequência, e alguns já leiloaram, dando espaço para que frequências muito próximas dos 23,8 GHz sejam usadas para o 5G, o que pode trazer resultados problemáticos. A solução neste caso pode ser restringir um pouco mais o espectro disponível para o 5G para evitar uma possível interferência, criando maior separação entre os canais.

É importante ressaltar que esse problema só se aplica às ondas milimétricas. Ainda há outras frequências nas quais o 5G pode operar que não são tão altas. Boa parte da cobertura 5G será feita com ondas de menos de 6 GHz, que não têm o risco de interferir com esses equipamentos críticos.

Renato Santino é editor(a) no Olhar Digital