A Revolução Blockchain no Mercado Financeiro

As características específicas fazem com que negócios realizados através do Blockchain sejam transparentes para todos os seus participantes
Redação05/11/2018 23h57, atualizada em 06/11/2018 09h30

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Ao longo das últimas duas décadas testemunhamos diversas inovações tecnológicas que potencializaram modelos de negócios em todos os setores da indústria, da mineração à aeroespacial, da agricultura aos serviços.

Uma das mais recentes inovações é o Blockchain, inaugurado pelo Bitcoin há apenas uma década atrás. O Bitcoin provou que, por meio da Distributed Ledger Technology[1] (DLT) moedas e sistemas de pagamento podem existir de forma autônoma, sem um ente centralizador, fora do modelo de negócio tradicional do mercado financeiro e de uma supervisão regulatória. Essa intrigante disrupção fez com que muitos voltassem sua atenção para essa tecnologia e trouxessem a percepção de que o Blockchain pode gerar muito mais do que apenas moedas criptografadas como o Bitcoin para setores da indústria como o mercado financeiro. Além disso, a possibilidade de integrar Blockchain com outras tecnologias, como a inteligência artificial (IA) e a Internet das coisas (IOT), trouxe a percepção de que com Blockchain estamos à beira de um grande número de inovações que impactarão todos os setores da indústria. Nos parece que, de todas as indústrias, o setor financeiro e logístico serão os primeiros a perceber o enorme impacto que essa tecnologia de registros distribuída está trazendo.

Uma definição comum de Blockchain é: “um sistema que permite a um grupo de participantes, pessoas e/ou empresas, transacionar uns com os outros de maneira segura sem depender de um ente central ou de terceiros confiança”[2]. Além disso, possui cinco características principais: (i) distribuição pela rede – todos os dados são armazenados em vários computadores distribuídos ao longo da rede; (ii) consenso – modificações na rede dependem de múltiplas partes ou processos de acordo com as regras do Blockchain; (iii) contratos inteligentes – programas de computador que executam funções automáticas, garantindo que todos estejam seguindo as mesmas regras; (iv) criptografia – protegendo a privacidade dos dados; e (v) imutabilidade – uma vez concluída uma transação, ela é armazenada para sempre na rede, não podendo ser modificada ou apagada.

As características acima fazem com que os negócios realizados através do Blockchain sejam transparentes para todos os seus participantes. As características também tornam os sistemas baseados em blockchain muito resilientes. Um sistema descentralizado é tão bom quanto imune a ataques DDOS e o ataque a um Blockchain é também, devido à sua natureza descentralizada, praticamente impossível.

É bom enfatizar que, embora os termos Blockchain e DLT sejam frequentemente usados como sinônimos, Blockchain não é o mesmo que DLT. Na verdade, Blockchain pode ser considerado uma categoria de DLT que emprega uma estrutura de dados em que as transações são organizadas e agrupadas em blocos[3].

O mercado financeiro tem demonstrado interesse na aplicação do Blockchain por duas razões muito distintas. Por um lado, o Blockchain, em razão do advento das criptomoedas como o Bitcoin, chamou muita atenção de todo setor, pois demostrou o potencial de disrupção de conceitos e funções centrais do mercado financeiro. Por outro lado, o Blockchain demostrou sua capacidade de potencializar a confiança, segurança, eficiência e otimização de processos, valores fundamentais para o setor financeiro, além da capacidade de melhorar a rastreabilidade, transparência e imutabilidade, proporcionando ganhos significativos de eficiência, acompanhados da redução substancial de custos substanciais.

De acordo com um relatório da Deloitte[4], os primeiros impactos do Blockchain no mercado financeiro serão sentidos nos: (i) pagamentos internacionais; (ii) mercado de ações; (iii) compensação/liquidação das transações; e (iv) compliance (KYC).

Atualmente o mercado de pagamentos internacionais encontra-se concentrado no SWIFT, uma rede de bancos que controla e estabelece as regras para o protocolo de mensagens pelo qual as transações são executadas. Para um pagamento internacional via SWIFT, as instituições financeiras cobram até 10% do valor da transação em taxas e a confirmação da transação leva até cinco dias úteis. Assim, no início o Bitcoin provou ser uma alternativa muito barata ao SWIFT, permitindo pagamentos internacionais quase instantâneos. No entanto, ao contrário do SWIFT, a rede Bitcoin não foi projetada para um grande número de transações e, devido à sua popularidade como um ativo em si, o Bitcoin ficou sujeito à grande volatilidade. Portanto, é necessário unirmos as qualidades de instituições como o SWIFT, capazes de lidar com um grande número de transações, com a descentralização, transparência e eficiência trazida pelo Blockchain. É daí que vem a necessidade de uma tecnologia Blockchain de nível empresarial. Vários desses esforços estão em andamento.

Em um esforço para melhorar o sistema de pagamentos, a IBM e uma rede de bancos iniciaram, em outubro de 2017, a utilização de uma moeda digital e uma rede blockchain para movimentar o dinheiro através das fronteiras em todo o sul do Pacífico. Essa rede bancária inclui “12 corredores monetários”, abrangendo a Austrália e a Nova Zelândia, bem como países menores como Fiji e Tonga. Sob a nova rede blockchain, os bancos conduzirão as transações usando o Lumens e, em seguida, contarão com participantes dos mercados locais para converter os Lumens em moeda fiduciária local. Os Lumens são criados por uma empresa sem fins lucrativos chamada Stellar. Tanto a Stellar quanto a IBM fazem parte de um projeto chamado Hyperledger Fabric, que está construindo ferramentas blockchain de código aberto para suportar infraestruturas de pagamento[5].

Por sua vez, em abril de 2018, o Santander iniciou a utilização da tecnologia Blockchain, baseada na Ripple, para criar um produto chamado “Santander One Pay Fx”[6], que permite pagamentos internacionais, com taxas insignificantes e confirmação quase instantânea (aproximadamente 20 segundos). O serviço está disponível apenas para clientes no Brasil, Reino Unido, Polônia e Espanha, mas deve expandir para outros mercados até o final do ano.

O gasto dos bancos com TI e operações no mercado de capitais está atualmente próximo de US$ 150 bilhões[7]. Uma grande parte desse montante está diretamente relacionada a ineficiências operacionais. Muitos processos não são totalmente automáticos e precisam de grande estrutura e capital humano.

Quando olhamos para os benefícios oferecidos pela tecnologia Blockchain, podemos ser confrontados com uma revolução nas transações do mercado acionário. Contratos inteligentes no Blockchain podem ser programados para executar tarefas de corretores e através do Blockchain as corretoras podem ser transformadas em plataformas descentralizadas. Desde as operações de “flash trading”, o mercado acionário não experimentava uma mudança tão dramática.

No que diz respeito à precisão das transações, a tecnologia Blockchain tem o potencial de permitir melhorias significativas. Algumas bolsas de valores proeminentes têm equipes dedicadas para estudá-la e implementá-la. Recentemente, a Bolsa de Valores da Austrália anunciou que irá substituir seu atual sistema de compensação/liquidação por Blockchain, a fim de reduzir custos e tornar as transações mais rápidas e seguras.

Nos Estados Unidos da América, a Nasdaq possui diferentes projetos de uso de blockchain. Em parceria com um grupo sueco de serviços financeiros, a Nasdaq está testando um protótipo para uma plataforma de negociação de fundos mútuos. A referida bolsa de valores está visando maior eficiência no processamento de transações, o que substituirá alguns procedimentos manuais.

Diferente do Blockchain Bitcoin, a Nasdaq está disposta a usar um blockchain privado[8], devido à sua necessidade de proteger alguns dados sensíveis e permitir transações em tempo real.

Como visto, as bolsas de valores estão incentivando estudos e a implementação da tecnologia Blockchain devido ao seu potencial para melhoria de processos, eliminando muitos intermediários (custos), além de sua capacidade de simplificar processos.

Nos últimos três anos, a tecnologia Blockchain tem impacto no processo de abertura de capital das empresas. Startups e Scaleups têm procurado o mercado de tokens ao invés do tradicional mercado de ações, levantando em 2018 mais de US$ 18 bilhões[9] com a emissão de tokens baseados na tecnologia Blockchain (ICO). Devido à sua popularidade, as bolsas de valores também estão se movimentando para facilitar o processo de abertura de capital, simplificando processos, reduzindo intermediários e, consequentemente, custos com o uso de novas tecnologias.

Além disso, os investidores de risco estão buscando a possibilidade de tokenização dos ativos, com base na tecnologia Blockchain, gerando tokens digitais representativos de ativos existentes, tal como ouro, certificados de dívida, ações, imóveis etc. Para aumentar a liquidez e transações desses tokens, empresas como a Wuzu[10] estão combinando tecnologias de mercado Blockchain e tradicionais para garantir maior segurança aos investidores e empreendedores, refletindo em maior liquidez e eficiência ao mercado.

A emissão de uma Carta de Crédito é um dos procedimentos mais burocráticos, do mercado financeiro, no comércio internacional e doméstico, tendo em vista a existência de múltiplas partes envolvidas no processo com diferentes estruturas legais envolvidas. Buscando melhorar a eficiência neste setor, um banco indiano, utilizando uma plataforma Blockchain construída pela Deloitte, reduziu o tempo de emissão de uma Carta de Crédito de 30 dias para algumas horas, proporcionando mais transparência a todas as partes interessadas.

Em relação ao compliance e KYC, as instituições financeiras “investem” um grande volume de recursos anualmente em mecanismos para identificar clientes e parceiros, devido à existência de vários documentos e certificados para identificação de uma mesma pessoa[11]. Um importante esforço para solucionar esse problema está em andamento no Sovrin[12], um projeto do Hyperledger, sob os cuidados da fundação Linux. Com o Sovrin, surge o conceito de uma identidade única e digital no Blockchain, proporcionando uma melhoria considerável na segurança, dada a descentralização da rede.

Outros esforços incluem bancos como o BNP Paribas e o Deutsche Bank, que estão desenvolvendo com R3 Corda um sistema KYC baseado em Blockchain, reduzindo o tempo de verificação da identidade dos clientes e a conformidade com AML e KYC. O uso da tecnologia Blockchain permitirá aos bancos compartilhar o mesmo banco de dados, evitando informações falsas, melhorando a velocidade de verificação e reduzindo custos.

Como visto, o Blockchain já está revolucionando o mercado financeiro, melhorando a rastreabilidade, transparência e imutabilidade, proporcionando confiança, segurança, eficiência e otimizando processos. No entanto, estamos apenas começando a revolução, então, sugerimos que comece a pensar sobre o Blockchain e como isso afetará outros setores da indústria para que esteja preparado para essa nova economia descentralizada.

Colaboração para o Olhar Digital

Redação é colaboração para o olhar digital no Olhar Digital