A evolução da Inteligência Artificial aplicada ao Direito no Brasil

A automação de serviços jurídicos é um processo inexorável de transformação do mercado. Diversos escritórios e tribunais têm buscado soluções que empreguem IA
Liliane Nakagawa30/07/2019 21h30

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Quando se trata do setor de tecnologia, o retrato de sua evolução envolve sempre um período curto e com rápidas transformações. Não é diferente no caso da inteligência artificial aplicada ao Direito no Brasil.

Há cerca de cinco anos, praticamente não se falava no Brasil da automação de serviços jurídicos ou mesmo de plataformas digitais de serviços jurídicos ou resolução de disputas. Inteligência Artificial era algo que começava a deixava o ambiente cinematográfico, mas era ainda associada a indústrias high-tech e plataformas de internet.

De lá para cá, o mercado de automação de serviços jurídicos floresceu, com o aparecimento de diversas Lawtechs e incubação de startups em escritórios de advocacia. Também não faltaram iniciativas pioneiras no âmbito do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Advocacia Geral da União. Tais experiências de automação avançaram para aplicações de inteligência artificial, principalmente com o uso de sistemas com aprendizado de máquina e processamento de linguagem natural para extração e processamento de informações relevantes de documentos jurídicos. Segundo informações da AB2L, já há no Brasil mais de 150 Lawtechs e Legaltechs em atuação.

Hoje há uma percepção clara pelos juristas de que ser trata de um processo inexorável de transformação do mercado jurídico. Diversos escritórios e tribunais têm buscado soluções que empreguem Inteligência Artificial, dentre outros, com os seguintes objetivos: reduzir o tempo e o custo das atividades mais repetitivas, elevar a qualidade pela organização e busca eficiente de informações sobre jurisprudência e legislação, propiciar análise de dados preditiva para melhor estratégia de litígio ou acordo e viabilizar plataformas de interação eficiente com clientes e usuários.

Na esteira dessa transformação do mercado, o ensino do Direito também passa por reciclagem, com a criação, nas universidades públicas e privadas, de laboratórios e cursos aplicados, voltados para colocar os alunos em contato com a tecnologia e aproximar o estudante de iniciativas e projetos de desenvolvimento de soluções de informática para serviços jurídicos. Um desses projetos é o de automação do Departamento Jurídico do XI de Agosto, maior associação privada de advocacia beneficente do País, formada por alunos da faculdade de direito da USP. A partir deste ano, o projeto passará a integrar alunos da Escola Politécnica e do Instituto de Matemática e Estatística da USP, com o desenvolvimento de diversas ferramentas computacionais. Falta, porém, uma reformulação da grade curricular mais abrangente para inserir elementos de formação mais sólidos, capazes de preparar o aluno de direito para era digital e da inteligência artificial. E aqui me refiro não só à aplicação da tecnologia ao direito, mas às implicações jurídicas da difusão de agentes digitais inteligentes nas relações econômicas e sociais.

A notícia mais animadora, porém, é a de que o Brasil também começa a ganhar musculatura na fronteira da pesquisa internacional em inteligência artificial e direito. A cada dois anos, ocorre a International Conference on Artificial Intelligence and Law-ICAIL, a principal conferência mundial de pesquisa nessa área e organizada pela International Association of Artificial Intelligence and Law- IAAIL. Na semana passada, ocorreu sua 17ª edição, no Centro de Justiça Cibernética em Montreal, no Canadá (www.icail2019-cyberjustice.com), com atuação destacada dos brasileiros.

O Lawgorithm, associação de pesquisa em inteligência artificial aplicada ao direito, criada em 2017 por professores do direito, engenharia e computação da USP, apresentou dois artigos na conferência principal, um de minha autoria, sobre modelos formais de representação da interpretação jurídica, e outro do pesquisador Marco Almada, sobre decisões automatizadas e revisão humana, que, aliás, foi agraciado pelo prêmio Donald Berman Award da IAAIL. O brasileiro Max Marques, do Instituto Minde-Télécom Atlantique, de Paris, também apresentou artigo sobre novo método de ranqueamento de relevância de artigos legais citados em decisões judiciais.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF) também estiveram presentes nos workshops satélite do ICAIL, com a demonstração de softwares. O STJ submeteu o  “Projeto Sócrates”, de iniciativa interna da equipe de TI do tribunal. A partir de um exame automático da decisão recorrida e dos documentos juntados ao recurso, o sistema Sócrates sugere casos similares já tratados pelo tribunal. Fabiano Peixoto, da Universidade de Brasília, apresentou o projeto Victor, do STF. Além disso, Guilherme Passos, doutorando no Imperial College de Londres, foi finalista na competição de extração automática de informações de textos jurídicos promovida pelo IAAIL.

Crentes na consolidação dessa linha de pesquisa e do desenvolvimento local dessa tecnologia, a Faculdade de Direito da USP e o STJ lançaram candidatura conjunta para o Brasil sediar o ICAIL 2021. Ao final, em assembléia que acontece no próprio evento, fui nomeado membro do Comitê Executivo da IAAIL. Com essas conquistas e o rápido amadurecimento do mercado de Lawtechs, o Brasil dá seus passos para se posicionar no mainstream da pesquisa internacional em inteligência artificial e direito.

Liliane Nakagawa é editor(a) no Olhar Digital