As lojas de aplicativos foram parte fundamental da popularização dos smartphones no final da década passada, e não há como discutir. Quem teve um celular no início dos anos 2000 pode se lembrar do transtorno que era instalar um novo aplicativo no dispositivo, e muitos sequer sabem que isso era possível. Lojas como o Google Play e a App Store simplificaram o processo radicalmente, permitindo que o desenvolvimento de apps fosse economicamente viável e permitindo que os aparelhos ganhassem funcionalidades múltiplas, indo além do papel de um mero telefone portátil.

O casamento foi conveniente, no fim das contas. As empresas que desenvolvem aplicativos precisavam de plataformas que oferecessem maior facilidade de distribuição de seus produtos para múltiplos modelos de celulares (especialmente no Android), o que permitia alcançar mais público e faturar mais com a distribuição de seus apps. Do outro lado, os aplicativos enriquecem os sistemas operacionais, tornando-os mais versáteis e atraentes para os usuários, o que incentiva o uso do smartphone e fideliza o público para que compre novos dispositivos.

No entanto, nos últimos anos, temos visto uma nova tendência surgindo, que indica que essa relação, que foi tão frutífera no passado, está começando a se desgastar. Cada vez mais aplicativos têm optado por tentar driblar as lojas para distribuição de seus serviços, citando algumas justificativas interessantes para isso.

O exemplo mais recente é o do Tinder. O aplicativo é um dos mais populares do planeta e decidiu usar a força de sua marca para enfrentar o Google. A empresa passou a incentivar usuários a informar suas informações de pagamento para assinatura do Tinder Gold diretamente pelo app como uma forma de driblar a obrigatoriedade de dar ao Google uma parte de todos os pagamentos processados por meio de aplicativos da Play Store.

Sim, a parceria entre lojas de apps e desenvolvedoras pode até ser interessante, mas ela tem seu custo. Quando um aplicativo está à venda no Google Play ou na App Store, 30% do valor gerado com uma compra é retido pela plataforma, e o restante repassado para o desenvolvedor. O mesmo vale para aplicativos gratuitos, mas que possuem algum tipo de benefício ou assinatura que pode ser realizado internamente: uma parte vai para a loja, e a fatia de 30% é a mesma. Vale notar, no entanto, que tanto Apple quanto Google oferecem um benefício de que, após o período de um ano, o percentual retido pelas suas respectivas lojas cai pela metade, para apenas 15%.

Isso fez com que muitos aplicativos desenvolvesse seus métodos próprios de evitar o pagamento desse pedágio para as lojas. A Netflix é um grande exemplo. A empresa tem um dos apps mais populares do planeta, mas quando seus usuários fazem uma assinatura por meio do aplicativo, uma parte grande da mensalidade era destinada às plataformas e deixava de ir para o caixa da companhia. A solução? Remover completamente a opção de realizar assinatura por meio do aplicativo. Quando um usuário baixa o app e ainda não tem uma conta, ele só pode criar uma nova assinatura por meio do site, no navegador, onde ele pode inserir seus dados de pagamento de forma independente, sem qualquer vínculo com Apple ou Google. Desta forma, o dinheiro vai 100% para a Netflix.

O Spotify levou essa disputa com as lojas um pouco mais longe, tendo como alvo específico a Apple. A empresa responsável pelo serviço de streaming mais popular do mundo formalizou uma reclamação na Comissão Europeia por considerar injustas as práticas da Apple, não apenas pela cobrança do “imposto” pela distribuição do app, mas pelas políticas da App Store que impedem até mesmo que o aplicativo sugira que há a possibilidade de realizar a assinatura externamente, por meio do site do Spotify, onde há a possibilidade de obter descontos e promoções que não estão disponíveis na assinatura por meio da loja.

Talvez o caso maior rebeldia contra as lojas de aplicativos tenha partido da Epic Games, a empresa responsável pelo sucesso absoluto do jogo Fortnite. A companhia não teve muito o que fazer em relação à Apple, já que o único jeito de distribuir o jogo para o iOS é por meio da App Store. No entanto, a Epic optou por evitar completamente o Google na hora de distribuir o game para o Android, optando por instruir seus jogadores a baixar um instalador APK próprio e independente, o que é consideravelmente mais burocrático, mas permite que a companhia reserve todas as receitas das transações internas para si. É algo que só uma empresa muito confiante na força de sua marca pode fazer, já que de outra forma seu aplicativo não seria descoberto.

Revolta vai além dos celulares

Por muitos anos, a Valve liderou com grande folga o mercado de distribuição de jogos para PC graças ao Steam sem uma concorrência efetiva. Muitas empresas tiveram criaram suas plataformas próprias de distribuição, como a EA e a Origin, a Ubisoft com a Uplay, mas ninguém chegou perto de ameaçar a liderança do Steam.

Isso criou uma situação no qual a Valve poderia cobrar dos desenvolvedores 30% do faturamento para que seus jogos fossem publicados no Steam, em uma situação similar à enfrentada pelas desenvolvedoras de aplicativos no Google Play e na App Store. Afinal de contas, se você quer seu jogo seja visto e esteja disponível para o maior número possível de potenciais compradores, o Steam ainda é a plataforma onde você precisa estar, por mais que o custo de distribuição seja maior, certo?

A Epic Games, novamente, foi a empresa que decidiu se rebelar contra as práticas do Steam. Desta vez, o projeto envolveu a criação de uma loja própria para distribuição de jogos para PC: a Epic Games Store, lançada no final de 2018. Para atrair mais desenvolvedores, a empresa decidiu reduzir drasticamente a fatia cobrada pela distribuição de jogos na plataforma, que é de apenas 12%, mas dependendo de algumas condições, a fatia pode ser ainda menor se, por exemplo, o desenvolvedor usar a Unreal Engine para construir seus games, ferramenta desenvolvida pela própria Epic.