A inteligência artificial (ou apenas IA) é uma das tecnologias que está sendo mais explorada atualmente. Há tempos já é utilizada para nos enviar propaganda direcionadas enquanto navegamos pela web, mas isso foi só o início. Agora, ela está sendo utilizada por grandes empresas no departamento de recursos humanos, para selecionar currículos e contratar pessoas.
Para fazer isso, o sistema de IA é muito sofisticado. O computador pré-seleciona os currículos e sabe quando mentimos pelos adjetivos, verbos e substantivos usados ou, ainda, pela linguagem corporal dos vídeos de apresentação que estão cada vez mais populares.
A Uber, por exemplo, está testando, nos Estados Unidos, um aplicativo para contratar funcionários temporários, chamado Uber Works. O programa, além de contratar serviços de ciclistas para entregas, também destina-se a oferecer mão de obra em serviços como encanadores, empregadas domésticas, vigilantes, comércio e outras dezenas de setores. A empresa vai utilizar o sistema de inteligência artificial para selecionar quais usuários (e candidatos) estão mais aptos a fazer parte da lista de serviços oferecidos.
As empresas olham essa nova tecnologia como uma oportunidade de complementar as técnicas já utilizadas em RH, mas os sindicatos estão rejeitando, pois acreditam que ela pode tornar o mercado de trabalho ainda mais precário.
Profissionais de RH, como Rafael García Gallardo, CEO da LMS (Leadership & Management School), residente em Madri, Espanha, preferem ter uma visão mais positiva. Gallardo diz que “o uso de big data (grande volume e variedade de dados processados em alta velocidade) está cada vez mais acessível e todos os gerentes de recursos humanos podem incorporá-lo em sua tomada de decisão”. E completa: “um sistema de IA pode otimizar e melhorar o ativo mais importante de qualquer empresa, que são as pessoas. E isso as torna mais competitivas”.
Uma oportunidade?
Gallardo defende que apps como o Uber Works podem ser uma tecnologia para colocar as pessoas mais rapidamente no mercado de trabalho, quando não encontram emprego de outra forma. “O celular é uma ferramenta que traz informação e fornece acesso à avaliação feita por trabalhos realizados”, completa Gallardo.
Também para as empresas é importante porque, segundo esse especialista, o uso de inteligência artificial permite a seleção de perfis e a organização da empresa de acordo com os objetivos. Acrescenta uma única exceção: “A análise final dos dados que o sistema de inteligência artificial traz de candidatos tem ser feita por uma pessoa. A interpretação e tomada de decisão para contratar alguém deve ser feita por humanos. Se eles não interpretarem os dados, eles simplesmente mudam a história. É a coisa mais importante a ser feita”, diz ele.
Isso é mais confiável e eficaz porque, segundo ele, os computadores são capazes de discernir os perfis apropriados e aqueles que escrevem mentiras nos currículos ou também termos que não tem a ver com as vagas. Ele dá um exemplo de sua própria experiência em que 5 mil currículos foram cruzados para escolher 15 candidatos. Termos precisos que eram necessários para o cargo, como gerenciamento de documentos, organização, distribuição, publicações ou arquivamento, foram incluídos no processador de dados e a computação evitou os currículos cuja descrição de competências não incluía esses termos.
O nível de “inglês intermediário” é uma mentira para um sistema de IA
“A inteligência cognitiva descobre como são as pessoas por meio dos verbos, adjetivos ou substantivos que usam, ou pela linguagem não-verbal que é vista nos vídeos que são cada vez mais presentes em seleções “, explica Gallardo. Sobre idiomas, ele comenta ironicamente. “Não é preciso muita inteligência artificial; se alguém coloca no currículo nível médio de inglês, por exemplo, é mentira: ou a pessoa sabe falar e escrever em inglês ou não sabe.”
Mas também admite que o uso da inteligência artificial pode gerar erros, como o caso do sistema de recrutamento da Amazon que excluia mulheres, mas Gallardo alerta que deve haver sempre uma linha de responsabilidade ética e definitiva para evitar o uso indevido de qualquer tecnologia.
A exploração do trabalho
Mas alguns representantes sindicais temem que esse modelo de seleção e contratação seja aceito nas empresas sem levar em conta as implicações que tem. Sergio Santos, secretário de emprego e relações de trabalho de Andaluzia, na Espanha, não vê vantagens no aplicativo Uber Works, por exemplo, como solução de empregabilidade. “Automatizar o emprego representa uma mudança radical nas relações de trabalho, promove a superexploração, fazendo o trabalhador perder direitos”, alerta.
Ele admite que o uso de inteligência artificial na fase de triagem de perfis já é feito até mesmo em serviços públicos, mas acredita que um aplicativo como o Uber é outro passo que não acarreta qualquer benefício para o trabalhador. Nem mesmo pela empregabilidade, que ele acredita que deve ser obtida por políticas ativas que melhorem não apenas o acesso ao mercado de trabalho, mas também a estabilidade e o futuro dos trabalhadores.
Respeitar as regras do jogo
Luis Perez, diretor de Relações Institucionais da empresa especializada em recursos humanos Randstad, afirma que sua companhia investe muito nesse tipo de tecnologia. Porém, assim como Gallardo, da LMS, concorda que “sem o toque humano não atingiremos a eficiência que buscamos”, finaliza.
De qualquer forma, em um mercado de trabalho que muda em ritmo frenético, com a busca por profissionais qualificados para cada tipo de projeto, é inevitável o uso de ferramentas que agilizem o processo de contratações. No entanto, é preciso haver um acordo entre empresas e orgãos que regulamentam leis trabalhistas para evitar “atalhos” em um sistema de IA dentro do departamento de recursos humanos.
“Não se pode considerar o empregado uma mercadoria, um commodity. É inevitável resistir ao avanço tecnológico, mas,havendo um acordo trabalhista, ambas partes podem ganhar com ela”, conclui Perez.
fonte: El País