Esqueça a Samsung, Huawei ou Xiaomi. A Apple está enfrentando um oponente muito mais poderoso, que pode forçar a empresa a mudar drasticamente o design das próximas gerações do iPhone, ou até mesmo proibir sua comercialização: a União Europeia.

O embate é centrado em dois pontos: cabos e baterias. A Comissão Europeia, órgão executivo da União Europeia, estuda projetos que exigiriam a adoção de um “carregador europeu padrão” para celulares, com uma porta comum a todos os aparelhos vendidos na região. Também está em discussão a exigência do uso de baterias removíveis nos smartphones – o que era muito comum em alguns aparelhos até alguns anos atrás e hoje é quase inexistente no mercado.

Segundo a Comissão Europeia, ambas as medidas seriam benéficas tanto para o consumidor quanto para o meio-ambiente. No caso dos cabos, o consumidor teria que gastar menos com eles, já que um único cabo poderia ser usado em vários aparelhos de múltiplas gerações. Com isso, menos cabos seriam descartados ao longo dos anos, o que reduziria a quantidade de lixo eletrônico, trazendo um benefício ambiental.

Vale lembrar que já existe uma “padronização” dos cabos de smartphones em vigor desde 2007, quando quase todos os fabricantes concordaram em usar o conector micro USB. Mas esta foi uma decisão voluntária; claro, a Apple ficou de fora. Mais recentemente quase todos os fabricantes começaram a migrar para USB-C, exceto (de novo) a Apple.

Reprodução

Conector USB-C. Quase todo mundo usa, exceto a Apple

Nas baterias, o argumento é que o hardware de um smartphone tem uma vida útil muito maior do que os 18 ou 24 meses que as baterias dentro deles duram antes de chegarem ao fim de sua vida útil. A ideia é que se elas puderem ser substituídas facilmente, pelo próprio usuário, este irá manter seu smartphone por mais tempo. Além da economia para o consumidor, novamente haveria o benefício ambiental gerado pela menor quantidade de smartphones descartados.

Isso afeta a Apple de duas formas, já que a empresa usa em seus aparelhos cabos proprietários com um conector Lightning desde o iPhone 5, em 2012, e nunca nenhum iPhone, iPod ou iPad teve uma bateria removível.

A empresa tem justificativas para suas escolhas. O conector Lightning é muito menor que seu antecessor, o Dock Connector de 30 pinos, e tem vantagens sobre a alternativa em uso na época, o micro USB: é mecanicamente mais simples, mais resistente e reversível, ou seja, não tem “lado certo” para ser encaixado no smartphone, o que poupa o consumidor de uma boa dose de frustração diária. Além disso, permite a transferência de dados com maior velocidade que o padrão USB 2.0 (em vigor na época), o que facilita os backups ou a troca de fotos, vídeos, músicas e arquivos entre um iPhone, iPad ou iPod e um computador.

Reprodução

Baterias com formatos customizados, como a dos iPhone XS e 11 Pro Max, permitem aproveitar melhor o espaço interno dos aparelhos;

Quanto às baterias, a Apple (e outras fabricantes) alegam que baterias internas possibilitam a criação de aparelhos mais finos e mais leves, já que não é necessária uma “casca” para proteger a bateria das mãos do usuário. Além disso, podem ter maior autonomia, já que as baterias podem ter formatos “sob medida” que permitem aproveitar melhor o espaço interno nos aparelhos. Vide, por exemplo, as baterias em “L” do iPhone XS ou as baterias divididas usadas em dobráveis como o Galaxy Fold, Motorola RAZR e Galaxy Z Flip, entre outros.

Ou seja, os dois lados tem bons argumentos, e a Apple não quer ceder terreno. Em um comunicado, ela afirma: “Acreditamos que a regulamentação que força a conformidade de tipos de conectores entre todos os smartphones engessa a inovação em vez de encorajá-la, e afetaria consumidores europeus e a economia como um todo”.

A companhia chegou a bancar um estudo desenvolvido pela Copenhagen Economics, que constata que a decisão de criar um conector comum custaria nada menos que 1,5 bilhão de euros, o que é muito mais do que os 13 milhões de euros previstos em benefícios ambientais.

A questão é que a Apple pode bufar e gritar o quanto quiser, mas se a Comissão Europeia decidir colocar as propostas em prática, ela não terá muito o que fazer. As opções são produzir aparelhos que atendam às normas ou então abandonar o mercado europeu, que é composto por 27 países com mais de 450 milhões de habitantes, mais do que os EUA.

Reprodução

Adaptadores de Lightning para USB-C são baratos e comuns, e podem ajudar a Apple a atender a União Européia

Considerando que a segunda opção é muito improvável, a empresa teria que “se virar” para atender à primeira. Os cabos seriam um problema menor. A empresa poderia incluir na caixa dos aparelhos vendidos na Europa um pequeno adaptador de micro USB ou USB-C para Lightning, que atualmente custa centavos, e tecnicamente produzir um aparelho “compatível com o carregador europeu”.

Quanto às baterias, é improvável que a empresa modifique seus aparelhos para torná-las removíveis. Além dos motivos já citados, isso comprometeria recursos como a resistência à água. Mas neste ponto a Apple pode ter aliados improváveis: concorrentes como a Samsung, LG, Huawei, Xiaomi, Sony e outras. Afinal, ela não é a única empresa que não quer abrir mão do lucro obtido com a troca de baterias, nem arcar com os custos de modificar o design de seus aparelhos. É como diz o ditado: “o inimigo do meu inimigo é meu amigo”.

E considerando a força com que a Apple vem combatendo a padronização das portas, podemos esperar que ela se empenhe ainda mais contra as baterias removíveis, que por enquanto são apenas uma proposta a ser discutida.

O que você acha? Abriria mão de um smartphone fino, leve e resistente à água em nome da comodidade e economia de uma bateria removível? Ou acha que a União Europeia está se metendo onde não deve, e a discussão deve ficar limitada à própria indústria? Deixe sua opinião nos comentários.