No mundo da tecnologia, é difícil esquecer do embate contra a Justiça que marcou a história da Microsoft nos anos 1990. A empresa, então comandada por Bill Gates, se viu em maus lençóis diante do governo dos EUA devido a uma acusação de monopólio ligada diretamente sobre os privilégios que o Internet Explorer tinha sobre outros navegadores da época. Por muito pouco, a empresa não precisou ser quebrada em duas. Agora, a história se repete com o Facebook.

Os múltiplos escândalos que a empresa acumulou nos últimos anos colocaram as práticas da empresa em relação a privacidade e segurança dos dados de seus usuários nos holofotes. A companhia nunca esteve tão visada por governos ao redor do mundo, e agora até mesmo pessoas que tiveram um papel importante na sua história pedem para que a companhia seja fragmentada para evitar que a situação se agrave. Chris Hughes, que fundou o Facebook com Mark Zuckerberg em 2004, hoje pede que a companhia que ajudou a criar deixe de ser uma só para ser várias.

É uma questão de garantir que o mercado de redes sociais seja minimamente competitivo. Hughes conta em seu artigo no New York Times que Mark Zuckerberg, desde o princípio, sempre teve claro o seu propósito de expansão e dominação. E não há como negar: ele conseguiu conquistar seu objetivo de uma forma que poucas empresas conseguiram na história.

Hoje o Facebook é uma empresa que influencia mensalmente mais de 2 bilhões de pessoas apenas com a sua principal propriedade, que é a rede social que carrega o nome da corporação. Como alguém pode competir com algo deste tamanho? Hughes se baseia no viés liberal para defender a intervenção governamental neste caso: ele diz em seu texto que “pais fundadores” dos EUA, como Thomas Jefferson e James Madison eram leitores de Adam Smith, que apontava que monopólios restringiam a competição que gera a inovação e leva ao crescimento econômico.

E não há como negar que o Facebook age de forma monopolista. Quando o Instagram surgiu e começou a atrair público, Mark Zuckerberg não hesitou em comprá-los em 2012, antes que a rede social de fotos pudesse roubar público da sua empresa. Da mesma forma, em 2014, o WhatsApp foi adquirido para trazer para o seu ecossistema um aplicativo que poderia vir a roubar seu público. Nenhuma das duas empresas compradas por Zuckerberg sequer tinha um modelo de negócios lucrativo no momento da aquisição.

Aqueles que tentam competir com o Facebook acabam sabotados. Hughes menciona o caso do Vine, a plataforma de vídeos comprada pelo Twitter apenas alguns meses após seu lançamento. O aplicativo possuía uma ferramenta que permitia que seus usuários procurassem contatos do Facebook que também estivessem no Vine, mas a empresa de Zuckerberg decidiu impedir que esse recurso pudesse ser acessado pelos desenvolvedores. Não dá para dizer que isso foi um dos fatores que viria a matar o serviço de vídeos alguns anos depois, mas com certeza não ajudou.

Obviamente, Hughes não tinha como não lembrar do caso Snapchat. Se com o Vine, o Facebook viu a oportunidade de sabotar um concorrente com suas próprias ferramentas, no Snapchat essa possibilidade não existia. Tratava-se de um rival totalmente independente que estava crescendo rápido em uma fatia jovem do público que estava usando cada vez menos o Facebook. A resposta de Zuckerberg foi copiar sem qualquer tipo de vergonha o que fazia o seu concorrente. “Não sejam orgulhosos demais para copiar”, disse o executivo em uma reunião interna mencionada por Hughes. Hoje temos Instagram Stories, Facebook Stories, WhatsApp Status, todos eles com mais usuários do que o Snapchat, que luta para se reinventar após ver seu modelo ser sugado.

O resultado disso é que hoje o Facebook pode se dar ao luxo de anunciar todas as falhas que teve nos últimos anos e continuar crescendo. O público até se revolta em alguns casos, mas no fim das contas, poucos são aqueles que de fato têm a iniciativa de deixar a rede social e, no fim das contas, os que deixam acabam não fazendo totalmente, pois continuam usando o Instagram, o WhatsApp e às vezes até mesmo o Messenger.

A divisão do Facebook, na visão de seu co-fundador e ex-executivo, passaria por desfazer as principais aquisições realizadas pela empresa ao longo dos últimos anos. O Instagram deveria voltar a ser uma companhia independente, assim como o WhatsApp deveria voltar a ser um negócio sem qualquer vínculo com a empresa fundada por Zuckerberg.

Seria uma decisão rara por parte das autoridades dos Estados Unidos, mas não inédita. Em 2009, a Whole Foods, empresa que hoje pertence ao conglomerado Amazon, precisou vender uma rede de lojas e a uma marca de produtos orgânicos que havia adquirido anos antes como parte de um processo antitruste. No entanto, se o Facebook fosse atingido por uma decisão similar, seria algo histórico, de proporções nunca vistas.

Não há como garantir que a quebra do Facebook em várias partes faria com que a competição no mercado de plataformas sociais. Não há como garantir que qualquer novo competidor faria melhor que o Facebook na gestão de questões de privacidade e segurança dos usuários. A visão de Hughes é que apesar de nada disso ser garantido, a partição do Facebook ao menos abriria a possibilidade de que novidades surgissem graças à competição.

O Facebook, no entanto, se defende afirmando que isso não é uma boa ideia. “O Facebook entende que com o sucesso vem responsabilidade. Mas você não impõe essa responsabilidade exigindo a cisão de uma empresa americana bem-sucedida. A responsabilidade das empresas de tecnologia só pode ser alcançada por meio da introdução diligente de novas regulações para a internet. Isso é exatamente o que Mark Zuckerberg tem pedido. Aliás, ele está se reunindo com líderes do governo nesta semana para dar continuidade a esse trabalho”, diz Nick Clegg, vice-presidente de Global Affairs e Comunicações do Facebook.