O que torna o caso de reinfecção por Covid-19 de Hong Kong diferente dos outros?

Vários casos suspeitos de reinfecção já foram relatados desde o início da pandemia; o que faz este o primeiro?
Renato Santino24/08/2020 23h04, atualizada em 24/08/2020 23h20

20200824082137-1920x1080

Compartilhe esta matéria

Ícone Whatsapp Ícone Whatsapp Ícone X (Tweeter) Ícone Facebook Ícone Linkedin Ícone Telegram Ícone Email

Nesta segunda-feira (24), o mundo se deparou com uma notícia que pode ter implicações importantes no combate à Covid-19. Pouco mais de 8 meses após o início da propagação do vírus entre humanos, o primeiro caso confirmado e acompanhado de reinfecção pelo Sars-Cov-2 foi anunciado.

Até hoje, alguns casos de suspeita de reinfecção já foram relatados, então o que faz deste o primeiro confirmado? Até mesmo a USP reportou recentemente uma paciente que foi diagnosticada pela segunda vez com o coronavírus. O que faz este caso de Hong Kong ser especialmente claro em sua reinfecção é o nível de acompanhamento do paciente.

Desde o início da pandemia, surgem relatos de pessoas que receberam um segundo diagnóstico positivo após algum tempo da cura. Após avaliação criteriosa dos casos, a Organização Mundial da Saúde (OMS) entendeu que não se tratavam de novas infecções, mas apenas uma particularidade do exame RT-PCR, que detecta fragmentos do vírus eliminados pelo corpo, que não trariam mais riscos nem ao portador, nem às pessoas ao seu redor.

Também há vários relatos de pessoas que manifestaram a doença por uma segunda vez. Quando analisaram de perto, perceberam que a pessoa nunca tinha realmente se curado. O vírus permaneceu presente no organismo, mas apenas ficou “dormente”, fazendo com que os sintomas se manifestassem novamente no futuro.

No entanto, o caso de Hong Kong é diferente. O paciente em questão foi diagnosticado com o coronavírus em março, e toda a linha do tempo indica que realmente se trata de um caso novo. Em abril, ele realizou dois testes RT-PCR que deram resultado negativo, indicando que não tinha mais o vírus no organismo, até chegarmos ao mês de agosto, quando o paciente foi positivado novamente para o coronavírus, agora de forma assintomática.

A análise sorológica do paciente também mostraram negativo para IgG, os anticorpos que permanecem no corpo por um período mais prolongado após a infecção, o que teoricamente poderia facilitar a atuação do vírus. Já está bem documentado que anticorpos realmente podem ser perdidos em questão de alguns meses, mas existem outros mecanismos de defesa, como as células T, responsável pela defesa celular, que podem criar uma imunidade mais duradoura. A perda de anticorpos não necessariamente significa que o organismo está desprotegido.

O que realmente torna evidente de que se trata de uma segunda infecção pelo Sars-Cov-2, no entanto, é o sequenciamento do genoma do vírus. Os pesquisadores compararam as amostras de março com a de agosto e constataram que realmente são duas linhagens diferentes, sendo que o paciente agora apresenta uma cepa compatível com a que circula na Europa. Antes de ser diagnosticado novamente com o coronavírus, o paciente esteve na Espanha, fazendo uma escala no Reino Unido. O caso foi detectado devido às medidas de proteção de fronteiras adotadas em Hong Kong, com isolamento e teste de viajantes.

Os pesquisadores apontam algumas implicações potenciais como decorrência deste caso. Primeiro, eles apontam que a imunidade “de rebanho” não deve eliminar totalmente o Sars-Cov-2 e a Covid-19, mas acreditam que é possível que infecções subsequentes podem ser mais leves do que a primeira, como observado com o fato de que o paciente permanece assintomático durante todo o período de acompanhamento, citando também outros estudos com macacos que indicaram reinfecções mais leves do que a primeira. Eles apontam o conhecimento prévio de outros coronavírus, causadores de resfriados comuns, que tem ressurgência sazonal, como exemplo do que pode acontecer.

Eles também fazem a ressalva de que a descoberta pode indicar que uma vacina contra a Covid-19 pode não oferecer uma imunidade duradoura. Além disso, também dizem que pacientes curados da doença deveriam ser incluídos em pesquisas por um imunizante.

No entanto, a OMS tem uma perspectiva um pouco mais positiva sobre o caso. Maria Van Kerkhove, epidemiologista americana líder técnica da organização ressalta que ainda é necessário analisar os resultados do estudo, mas, neste momento, o mundo já tem mais de 24 milhões de casos confirmados de Covid-19 e muitos outros que sequer foram diagnosticados. A descoberta de um caso de reinfecção após pouco mais de 4 meses da primeira exposição ao vírus mostra que, ao menos em um período tão curto, trata-se de um evento raro, e não recorrente.

Renato Santino é editor(a) no Olhar Digital