O ativista australiano Julian Assange foi preso nesta quinta-feira, 11, em Londres, na embaixada do Equador, após perder direito a asilo. Segundo as autoridades, a prisão acata um pedido de extradição feito pelos EUA e um processo a que ele responde no Reino Unido por ter deixado de se apresentar à justiça quando intimado. Ele também responde a um pedido de extradição da Suécia, onde é acusado de assédio e abuso sexual.

Mas Julian Assange é mais conhecido por ter sido fundador de um importante e polêmico portal da internet. O WikiLeaks é uma organização que divulga na internet documentos confidenciais obtidos de empresas e agências governamentais do mundo todo. Segundo o ativista, os processos aos quais ele responde têm a ver, principalmente, com o papel do WikiLeaks na divulgação de arquivos secretos de países e corporações.

Apesar do nome e do logotipo, o WikiLeaks não tem qualquer relação com a Wikipédia, a enciclopédia online colaborativa, nem com a Wikimedia Foundation, organização que cuida do projeto. O WikiLeaks é uma organização internacional sem fins lucrativos, sediada na Suécia, cujo site foi construído com base no software de código aberto MediaWiki, desenvolvido pela Wikimedia.

O WikiLeaks foi lançado em 2006. Qualquer pessoa pode submeter ao site documentos confidenciais com a garantia de que a sua identidade será preservada quando eles forem divulgados. O portal analisa esses documentos, vefifica a veracidade deles e só publica aqueles que puderem ser comprovados como sendo 100% reais. Ao longo dos anos, jornalistas, ativistas, políticos e dissidentes usaram a plataforma para revelar segredos de países e empresas.

Em dezembro de 2006, três meses após o domínio wikileaks.org ter sido registrado, o portal divulgou seus primeiros documentos secretos. O arquivo revelava uma decisão oficial assinada pelo xeique Hassan Dahir Aweys, líder do Conselho Supremo das Cortes Islâmicas, uma milícia fundamentalista da Somália, de matar funcionários do governo contratando “criminosos” como assassinos de aluguel.

Assange e os outros editores do WikiLeaks usaram a natureza “aberta” do site para pedir que os leitores ajudassem, num esforço colaborativo, a descobrir se o documento era real ou não. Até hoje, porém, a autenticidade do documento ainda não foi comprovada. Mas foi assim que o portal decidiu fazer sua estreia na internet.

Fama internacional

Pouco depois, o WikiLeaks passou a servir de fonte para jornais do mundo inteiro. Em 2007, o jornal britânico The Guardian publicou uma reportagem contando detalhes dos esquemas de corrupção na família do então líder queniano Daniel arap Moi. Parte das informações daquela reportagem foram adquiridas através do WikiLeaks.

O coletivo de hackers Anonymous também passou a contribuir e usufruir do WikiLeaks em pouco tempo. Em 2008, o grupo assumiu ter hackeado o e-mail particular do Yahoo da então candidata à vice-presidência dos Estados Unidos na chapa com John McCain, Sarah Palin. O conteúdo dos e-mails foi publicado pelo WikiLeaks.

Foi só em 2010 que o alcance do WikiLeaks ganhou novas proporções e o site entrou na mira das autoridades. Naquele ano, um ex-soldado das Forças Armadas dos EUA, Bradley Manning (que hoje atende pelo nome de Chelsea) vazou para a plataforma documentos ultrassecretos do governo norte-americano. Incluindo um vídeo gravado pela câmera de um helicóptero dos EUA que mostrava soldados norte-americanos atirando e matando jornalistas da agência Reuters confundidos com terroristas em Bagdá, em 2007.

Chelsea Manning seria presa pelo vazamento, e o WikiLeaks alcançaria fama global. A partir dali, mais e mais indivíduos, dissidentes e jornalistas procurariam o site para vazar documentos secretos. Em julho de 2010, 92 mil documentos relacionados à guerra dos EUA no Afeganistão também foram vazados, descrevendo operações secretas e falhas como o assassinato de civis. As revelações foram divulgadas por alguns dos maiores jornais do mundo, como o The New York Times, o The Guardian e o Der Spiegel.

Confira uma lista dos casos mais famosos divulgados pelo WikiLeaks (a lista completa, com todos os casos, pode ser vista aqui):

O que o WikiLeaks já revelou sobre o Brasil

Em novembro de 2010, o WikiLeaks e outros cinco grandes jornais internacionais, incluindo El País (Espanha), Le Monde (França), Der Spiegel (Alemanha), The Guardian (Reino Unido) e The New York Times (EUA), publicaram um conjunto de 220 documentos confidenciais, mas não ultrassecretos, que davam detalhes de como funcionava a política diplomática dos EUA e como o país encarava o relacionamento com outros países.

O vazamento causou um enorme rebuliço na política internacional. Entre os documentos vazados estavam comentários de embaixadores dos EUA a respeito dos países onde estavam sediados – incluindo o Brasil. Os documentos diziam, por exemplo, que o governo brasileiro era “paranoico” em relação à Amazônia e descrevia o exército nacional como um “elefante branco politicamente popular”.

Os documentos também revelavam que o governo brasileiro se recusou a receber prisioneiros de Guantánamo, contou com a ajuda do FBI para investigar a morte da ativista Dorothy Stang e se recusou a emprestar US$ 5 milhões ao governo dos EUA para ajudar a financiar a Guerra do Afeganistão.

Em 2015, o Brasil voltou a aparecer no meio de documentos secretos divulgados pelo WikiLeaks. Naquele ano, a organização começou a revelar que a Agência Nacional de Segurança dos EUA (NSA) estava espionando líderes de diversos países, incluindo o então presidente da França, François Hollande (além de seus antecessores Nicolas Sarkozy e Jacques Chirac), da chanceler alemã Angela Merkel e da então presidente do Brasil, Dilma Rousseff, além de outras figuras importantes do governo brasileiro.

Tudo isso aconteceu dois anos depois que Edward Snowden, um ex-analista da NSA, também divulgou documentos secretos sobre as práticas de espionagem da agência (mas de forma independente do WikiLeaks). Snowden já havia revelado que Dilma e o governo brasileiro estavam na mira da NSA, mas foi o WikiLeaks que revelou os 29 números de telefone grampeados pela agência, incluindo o de ministros e ex-ministros de estado.

Processos

O WikiLeaks começou a responder judicialmente pela divulgação de documentos secretos em 2010, quando o procurador público norte-americano Eric Holder declarou que o governo havia iniciado uma “investigação criminal” a respeito da organização. Até onde se sabe, a investigação continua aberta.

No mesmo ano, instituições financeiras como Bank of America, VISA, MasterCard, PayPal e Western Union fizeram um bloqueio ao WikiLeaks, proibindo a transação de doações para a conta da organização. Segundo ela, 95% do seu financiamento vinha, na época, de doações de colaboradores.

Políticos e autoridades de diversos países também fizeram críticas públicas ao WikiLeaks. Em abril de 2017, o então diretor da Central de Inteligência dos EUA (CIA), Mike Pompeo, descreveu a organização como um “serviço de inteligência hostil” e “uma ameaça enorme” à segurança nacional do país.

Os líderes do WikiLeaks também entraram na mira das autoridades. Julian Assange enfrenta um pedido de extradição para os Estados Unidos pela divulgação de documentos secretos. Em 2015, o governo norte-americano coletou dados pessoais, extraídos por ordem judicial do Google, de três outros membros da equipe editorial do site: Sarah Harrison, Joseph Farrell e Kristinn Hrafnsson.

Defesa

Por outro lado, o WikiLeaks já recebeu prêmios e é defendido por organizações não-governamentais no mundo todo. A organização foi indicada, em seis anos consecutivos, ao Prêmio Nobel da Paz, de 2010 a 2015. Também foi indicada ao prêmio Nelson Mandela da Organização das Nações Unidas (ONU) pela “defesa da liberdade de expressão” e dos direitos humanos.

A lista de prêmio que o WikiLeaks já ganhou inclui premiações concedidas por veículos de imprensa internacionalmente reconhecidos, como a revista norte-americana Time. A organização também foi premiada pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI) em 2013 pela defesa de direitos humanos.

Uma lista de prêmios que o WikiLeaks já ganhou mundo afora:

  • The Economist: Nova Mídia (2008)
  • The Amnesty: Nova Mídia (2009)
  • TIME: Pessoa do Ano, Escolha Popular (2010)
  • Prêmio Sam Adams de Integridade (2010)
  • União Nacional de Jornalistas: Jornalista do Ano (2011)
  • Sydney Peace Foundation: Medalha de Ouro (2011)
  • Prêmio Martha Gellhorn de Jornalismo (2011)
  • Prêmio Blanquerna de Melhor Comunicador (2011)
  • Prêmio Walkley de Contribuição ao Jornalismo (2011)
  • Prêmio Voltaire de Liberdade de Expressão (2011)
  • União Nacional dos Jornalistas Italianos: Prêmio Piero Passetti (2011)
  • Prêmio Jose Couso de Liberdade de Imprensa (2011)
  • Prêmio Yoko Ono Lennon de Coragem para as Artes (2013)
  • Associação Brasileira de Imprensa: Prêmio de Direitos Humanos (2013)
  • União dos Jornalistas do Cazaquistão (2014)
  • Prêmio Willy Brandt de Coragem Política (2015)
  • Prêmio European United Left–Nordic Green Left (2019)
  • Prêmio Gavin MacFadyen (2019)