“Neutralidade da rede” é um termo que voltou ao centro dos debates mundiais sobre política e internet depois que a Comissão Federal de Comunicações dos Estados Unidos (FCC, na sigla em inglês) decidiu derrubar esse princípio das leis norte-americanas.
Para nós, brasileiros, a notícia importa porque operadoras de telefonia do Brasil estariam planejando um movimento semelhante. Há relatos na imprensa nacional de que a queda da neutralidade da rede pode estar próxima também por aqui.
Mas o que é neutralidade da rede? O termo é usado para definir o princípio de que todo conteúdo na internet deve ser tratado igualmente. A banda larga que você paga pode ser usada para acessar qualquer site, aplicativo ou serviço sem cobranças especiais com base no conteúdo.
Hoje, a neutralidade da rede garante que você pague apenas pelo acesso e pela velocidade da sua internet, mas não pelo conteúdo, que é livre para qualquer usuário. Com o fim da neutralidade de rede, as coisas mudam – ou, pelo menos, têm chance de mudar.
O que pode mudar, por exemplo?
Após a decisão da FCC, as operadoras dos Estados Unidos podem começar a vender pacotes de internet diferenciados dependendo do conteúdo que o usuário quiser acessar. Por exemplo: uma pessoa pode comprar um pacote de internet com Facebook e YouTube, mas se quiser acessar a Netflix, vai ter que pagar mais ou adquirir um pacote diferente.
Imagine um futuro em que, na hora de contratar um serviço de banda larga para a sua casa, você tenha que escolher entre um pacote social (com Facebook, Twitter e Instagram), um pacote streaming (YouTube, Netflix e Spotify) ou um pacote gamer (para quem joga multiplayer). Cada um tem um preço e uma série de restrições sobre quais sites você pode usar.
Isso é o que pode vir a acontecer num cenário em que as operadoras não são obrigadas a obedecer o princípio de neutralidade da rede. Uma outra hipótese não envolve bloqueio de conteúdo, mas limite de velocidade.
Imagine que uma provedora fechou um contrato milionário com o Facebook para que a sua conexão com a rede social seja a melhor possível. Você continua podendo acessar outras redes, mas o Snapchat, por exemplo, acaba extremamente limitado e com uma velocidade baixíssima.
Sem a neutralidade da rede garantida pela lei, as operadoras ficam livres para fazer isso. Em outras palavras, o acesso à internet fica mais parecido com o acesso à TV por assinatura. É natural pensar que o único lado da discussão a ser beneficiado pelo fim da neutralidade da rede é o lado das operadoras.
Afinal de contas, isso abre as portas para novas oportunidades de negócio. Uma pessoa que só use Facebook e WhatsApp ficará “feliz” em pagar menos para acessar só estes dois serviços. Mas para a livre circulação de conhecimento e informação, que é a base da internet como a conhecemos hoje, isso é péssimo.
A neutralidade da rede também prejudica a competição e a inovação da tecnologia. Imagine que uma operadora fechou um acordo de exclusividade com a Uber que faz com que os usuários possam acessar somente este serviço de transporte por app. Os assinantes não teriam acesso a 99, Cabify ou outras opções que, vez ou outra, podem oferecer corridas mais baratas que a Uber.
Pequenas empresas passam a ter menos chances de disputar a atenção do usuário do que as grandes empresas, que ficam livres para fechar acordos de exclusividade com operadoras e limitar o seu acesso a novos concorrentes. A garantia, na lei, de neutralidade impede que isso aconteça.
O que diz a lei
No Brasil, a neutralidade da rede é garantida pela lei federal 12.965, sancionada em abril de 2014 – também conhecida como “Marco Civil da Internet”. O artigo 9º da lei diz que as operadoras devem “tratar de forma isonômica quaisquer pacotes de dados, sem distinção por conteúdo, origem e destino, serviço, terminal ou aplicação”.
“A discriminação ou degradação do tráfego” só pode acontecer por “requisitos técnicos indispensáveis à prestação adequada dos serviços e aplicações” ou por “priorização de serviços de emergência”. As operadoras ainda devem “oferecer serviços em condições comerciais não discriminatórias e abster-se de praticar condutas anticoncorrenciais”.
Você pode estar perguntando: “tá, mas o que são requisitos técnicos indispensáveis?”. O decreto de número 8.771, assinado em maio de 2016 pela então presidente Dilma Rousseff, explica que o tráfego da internet só pode ser limitado em caso de bloqueio de spam, combate a ataques DDoS e “tratamento de situações excepcionais de congestionamento de redes”.
Por este mesmo decreto, cabe à Agência Nacional de Telecomunicações, a Anatel, fiscalizar as operadoras e impedir que o direito do usuário à neutralidade da rede seja colocado em risco. Todas essas garantias podem desmoronar a qualquer momento nos EUA e, quem sabe, também no Brasil.
E agora?
Por aqui, algumas organizações já se manifestaram contra a possibilidade de que a neutralidade da rede chegue ao fim. A Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico (camara-e.net) disse em comunicado público que “a extinção da neutralidade de rede é um retrocesso para a sociedade e para a economia digital”.
A última notícia sobre o assunto é de que as operadoras brasileiras podem começar a pressionar o governo a acabar com a neutralidade da rede depois que for votada a reforma da previdência social, proposta pelo Planalto. Isto deve acontecer em fevereiro do próximo ano.
Já nos EUA, ainda há chances de que o princípio da neutralidade seja restaurado se o Congresso apresentar e aprovar uma proposta de lei que reverta a decisão da FCC em até 60 dias úteis. Aos usuários, resta fazer sua voz ser ouvida enquanto a internet ainda é livre de pedágios.