O que é necessário para desligar um país inteiro da internet mundial?

Renato Santino12/02/2019 20h58, atualizada em 12/02/2019 21h15

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Nesta semana, o mundo foi pego de surpresa com a expectativa de que a Rússia pode realizar um experimento peculiar: desligar o país completamente da internet global, como um teste para proteção contra ciberataques em caso de uma ciberguerra. A questão que paira no ar, no entanto: qual é a viabilidade de excluir totalmente um país da internet e como isso pode ser feito?

A ideia da Rússia é se proteger contra um ataque externo em caso de ciberguerra, o que parece cada vez menos improvável. Por este motivo, o país pretende realizar esse teste no qual a internet é efetivamente bloqueada do restante do planeta, garantindo prontidão em caso de uma emergência real. Neste momento, entrará em ação a RuNet, como é chamada essa rede interna na Rússia, que não permitirá acesso a serviços e sites hospedados fora do país, mas continuará dando acesso normal a páginas russas.

Não é uma tarefa simples excluir um país inteiro da internet por meio de um ataque externo. Não seria difícil para um ataque desconectar completamente um país pequeno e pouco conectado da internet. Olhando o mapa de cabos submarinos que formam a rede, é possível notar que alguns países possuem apenas um cabo de comunicação com a internet mundial. Bastaria, neste caso, romper o cabo para eliminar a conectividade de um país inteiro.

A Rússia, no entanto, não é um país pequeno e certamente não há apenas um cabo ligando o território russo ao resto da rede global, então o mais provável que pode vir a acontecer é o próprio governo russo desligar o acesso externo como medida de proteção contra um ciberataque.

Quando falamos em um evento em que o próprio governo desliga o acesso externo, a questão mais complexa para se avaliar é a questão da capilaridade da infraestrutura oferecida pelos prestadores de serviços de internet. Um país com muitas empresas operando neste setor deve ter mais dificuldades em implementar um bloqueio do tráfego externo do que outro com poucas alternativas, especialmente em situações em que uma estatal tem um controle muito forte sobre o setor. Neste caso, o próprio governo só precisa girar a chave para que o bloqueio externo seja ativado; em mercados com mais empresas, a situação tende a ficar mais complicada.

Existem casos de países que tiveram a internet completamente cortada como forma de censura a movimentos de protesto. Isso foi recorrente durante o período que ficou conhecido como “Primavera Árabe”, quando países como Síria e Egito viram grandes manifestações políticas, e governantes chegaram a desativar a internet para tentar desmobilizar a população. No entanto, ambos os países possuem infraestrutura precária e controlada de internet, o que simplifica o desligamento do resto do globo. O Brasil chegou a discutir o isolamento da internet global em 2013, durante o primeiro mandato de Dilma Rousseff, na época do escândalo de espionagem revelado por Edward Snowden, mas a ideia não foi para frente.

A China é talvez o maior exemplo de internet controlada pelo governo, mas nem ela foi tão longe quanto a proposta russa de se isolar completamente da rede global. A vantagem da China sobre a Rússia neste caso é que o controle governamental chinês foi implementado desde o princípio da internet no país, o que permitiu criar mecanismos de restrição mais eficientes. A tarefa da Rússia tende a ser mais cara e trabalhosa.

A Rússia não dá muitos detalhes sobre como será realizado este bloqueio, e, ao que tudo indica, boa parte do plano ainda está indefinido, o que explica a necessidade da realização de experimentos para definir o que é necessário para colocar a ideia em atividade quando for “para valer”. Sabe-se que as ordens são direcionadas às operadoras, que devem passar a bloquear IPs externos, efetivamente impedindo a conclusão de qualquer requisição. Na prática, um cidadão russo não poderia acessar o Facebook, por exemplo, hospedado fora do país, da mesma forma que alguém fora do país seria incapaz de acessar os serviços hospedados na Rússia.

O trabalho das operadoras russas deve ser grande para que essa ideia saia do papel. Uma parte do projeto do governo da Rússia é que todo o tráfego de internet entrando ou saindo do país seja direcionado para gateways (portões) controlados pelo próprio governo, o que aumentaria a centralização da internet e facilitaria uma ação de desligamento em caso de ataque. Não à toa, as operadoras russas esperam ser ressarcidas pelo Estado para implementação dessa infraestrutura.

Também se sabe que a Rússia estabeleceu seu próprio servidor de DNS, para não depender de organizações externas. Para quem não sabe, o servidor de DNS tem uma tarefa primordial no funcionamento da internet: a tarefa dele é traduzir o endereço digitado na barra de endereços do navegador (por exemplo: www.dev.olhardigital.com.br) e transformá-lo em um número de IP que permita a comunicação entre o computador e o servidor. Se a Rússia se desligasse da internet mundial sem o seu próprio servidor de DNS de backup, os cidadãos russos precisariam digitar endereços de IP na barra de endereços.

Renato Santino é editor(a) no Olhar Digital

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