Médico transmite ao vivo autópsia em cadáveres humanos

Objetivo é mais científico que sensacionalista; segundo o patologista, conteúdo produzido é particularmente valioso para estudantes que não possuem mãos
Equipe de Criação Olhar Digital26/09/2019 01h24

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Parece até uma cena de filme de terror, com direito a muito sangue, cenas arrepiantes e closes de virar o estômago. Mais realistas que as letras de um disco de death metal, as transmissões ao vivo feitas por Ben Margolis, um médico especialista em autópsias, mostram de perto como o procedimento é feito em cadáveres humanos via Facebook Live.

Um dos vídeos, exibe o médico cortando o couro cabeludo de um cadáver humano, descascando a pele, abrindo o crânio com uma serra chorosa e removendo o cérebro. Ele segura o cérebro para a câmera ver, enquanto explica o processo para a audiência ao vivo. A seção de comentários fica cheia de curiosos compartilhando pensamentos e perguntas. “Bom truque para fazer isso com o corte”, disse um deles enquanto o médico se afastava.

O arquivamento de autópsias por meio de fotografias ou gravações de vídeo é uma prática comum – há anos de vídeos sangrentos no YouTube. Em janeiro de 2017, ano em que realizou sua primeira transmissão ao vivo, Margolis amarrou uma câmera GoPro na cabeça e deu aos espectadores um ponto de vista em primeira pessoa do procedimento, enquanto explicava cada etapa no Facebook Live.

Dois anos mais tarde, houve uma outra gravação de uma transmissão ao vivo, que foi arquivada e postada no site Autopsy.Online, um projeto educacional realizado pelo Autopsy Center de Chicago. Esse mesmo centro foi fundado pelo patologista da autópsia, que também é um talentoso músico de orquestra e instrumentista, e vê seus serviços como uma ferramenta capacitadora para famílias de falecidos recentemente.

O procedimento que pode ser bastante repulsivo para a maioria da população, é encarado pelo profissional como uma atividade que, não apenas fornece informações úteis em face de um evento trágico, como a morte de um ente querido, mas também que ajuda familiares a aceitar a perda.

Em casos em que, geralmente parentes do falecido querem respostas ou um arquivamento de caso, Margolis oferece aos clientes uma opção distinta no século 21: autópsias de entes queridos gravadas ou transmitidas ao vivo. Segundo ele, muitos tem aceitado a oferta. “As famílias vêm até nós para fechar, para pesar, para descobrir o que aconteceu”, disse Margolis ao Futurism.

Em relação aos concorrentes da mesma categoria, o patologista diz que “outros vídeos de autópsia basicamente plantam uma câmera a alguns metros do caso e é uma perspectiva ainda imóvel. E a pessoa está trabalhando fora – você não sabe para onde olhar”. Desta forma, uma abordagem mais imersiva não é apenas uma boa venda para médicos atuais ou futuros, mas também é mais abrangente para o espectador casual e curioso pela ciência, apesar de, às vezes, utilizar uma câmera estacionária.

Embora as transmissões ao vivo sejam um projeto envolvente, Margolis se esforça ainda mais em seus vídeos editados, que se transformam em recursos educacionais. Para divulgar os vídeos do Autopsy Center of Chicago, Margolis criou um aplicativo e ainda está construindo sua plataforma Autopsy.Online, que está cheia de gravações de autópsias anotadas.

O objetivo final de Margolis é concluir um “mapa do corpo” virtual onde os espectadores podem clicar em uma parte do corpo e assistir a um videoclipe desse órgão em particular sendo removido e examinado – um recurso que ele diz ser particularmente valioso para estudantes que não têm mãos – em acesso a cadáveres.

A plataforma também possui uma página separada para transmissões ao vivo, partes das quais são editadas posteriormente nos clipes mais curtos. Antes de lançar seu próprio aplicativo e plataforma, Margolis transmitia no Facebook, o que significava que seu público era muito maior e mais amplo do que as pessoas que agora pagam por seu conteúdo.

Quando se trata dos comentários que aparecem em suas transmissões ao vivo, Margolis diz que eles são amplamente positivos. Às vezes, os trolls zombam das pessoas por fazerem perguntas sobre o que estão vendo ou compartilham pensamentos grosseiros, às vezes sexualmente explícitos. Mas a maioria das pessoas se envolve com o material de maneira construtiva. “Não é macabro, é o corpo humano. Todos nós temos um, e é interessante”, disse Margolis.

O patologista observa ainda que o mais chocante para alguns espectadores é aceitar o fato de que eles estão olhando para um cadáver que já foi uma pessoa viva, com pensamentos e sentimentos. “Isso faz parte: como você fala sobre a morte? Fiz um esforço para ser sensível”, disse Margolis, explicando que proibiu as pessoas de tirar sarro de outras que fizeram perguntas, mesmo que a resposta pareça óbvia para alguns. Ele defende as perguntas são essenciais e maravilhosas quando se está pronto para saber o que é morto, incentivando o ensino do conceito, do saber.

Em uma das lives realizadas no Facebook, a audiência bateu a marca de 1 milhão de pessoas em uma única transmissão, apesar do sucesso, essa resposta levanta uma questão importante: como respeitar o falecido e parentes dele ao mesmo tempo em que se coloca o conteúdo significativo por aí? “As principais preocupações das autópsias de transmissão ao vivo são garantir que você respeite os desejos e a privacidade do falecido e de sua família, e que você está tratando o corpo com respeito”, afirmou a bioética da Baylor College of Medicine Amy McGuire.

Outros bioeticistas compartilharam preocupações semelhantes – especialmente no que se refere ao respeito à privacidade do falecido e de seus familiares. “Parece que muito dependeria do objetivo da autópsia e se a identidade do assunto seria divulgada”, disse Mark Aulisio, presidente do departamento de bioética da Case Western Reserve University. Porém, ele observa que “Margolis mantém os nomes e as características identificáveis dos cadáveres em segredo, provando o comportamento profissional e respeitoso, provavelmente a principal questão de preocupação”.

Com esforço para preservar o anonimato dos cadáveres, antes de começar a gravar, Margolis cobre o rosto do falecido, além de quaisquer marcas identificáveis, como tatuagens ou etiquetas corporais. Ele também nunca divulga a idade da pessoa ou outros detalhes pessoais. “Precisamos configurá-lo de maneira ética e capacitar a família”, afirma.

Já Brendan Parent, bioético da Universidade de Nova York, diz ter uma preocupação quanto à maneira como os clientes estão sendo abordados sobre transmissão ao vivo ou gravação. “A autópsia geralmente acontece quando suspeitamos da causa da morte, que geralmente envolve histórias de vida particulares ou sensíveis. Embora esse grupo esteja tomando medidas para impedir a exibição de características identificáveis e obter o consentimento dos membros da família, é improvável que qualquer pessoa cujos corpos estejam sendo usados tenha concebido esse possível estado post-mortem”, alega Parent.

O bioético observou que a prática de Margolis trabalha na criação de uma maneira de as pessoas doarem seus corpos como parte de suas vontades – da mesma forma que as escolas de medicina adquirem cadáveres para usar como ferramentas educacionais – dizendo que isso seria um passo na direção certa.

Sobre o processo de conseguir os corpos, o patologista alega que passa mais de uma hora conhecendo os membros da família que se aproximam dele para fazer autópsias antes de considerar a possibilidade de uma gravação de vídeo ou transmissão ao vivo. Nos formulários de consentimento, há caixas separadas pedindo permissão para tirar fotos, gravações de vídeo, transmissões ao vivo ou permitir que os alunos entrem na sala. Se um cliente hesitar ou parecer desconfortável depois que Margolis tiver a opção de gravar para transmitir a autópsia, ele diz que imediatamente recua.

Outro caso também em que as transmissões são descartadas, é quando o falecido se tratar de uma criança ou o caso envolver uma investigação criminal ativa, como suspeita de homicídio.

O patologista concluiu casos em que a autópsia revela condições médicas genéticas ou ajuda a determinar se parentes vivos podem herdar condições como a de Alzheimer. Com tais informações, por exemplo, essas pessoas poderão fazer perguntas melhores e se defender com mais eficácia ao navegar no sistema de saúde.