Mãe da Internet faz 50 anos. Conheça a história da ARPANET

Criada pelo departamento de defesa dos EUA para facilitar a pesquisa, rede acabou por mudar profundamente os ramos da humanidade
Rafael Rigues24/10/2019 19h10, atualizada em 29/10/2019 10h00

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Em 29 de outubro de 1969, Charley Kline, um estudante da UCLA (Universidade da Califórnia em Los Angeles), sentou-se frente a um terminal de computador e enviou um comando a outro computador no Instituto de Pesquisa de Stanford, a cerca de 560 Km de distância; Login. Deu errado: o sistema de Stanford travou após as duas primeiras letras serem recebidas. Foi assim, com um tropeço, que nasceu a ARPANET, uma rede de comunicação que mudaria a história da humanidade.

A ARPANET foi criada pela ARPA (Advanced Research Projects Agency), agência de pesquisas do Departamento de Defesa do Governo dos EUA (hoje chamada DARPA). Ao contrário do que muita gente pensa, a rede não foi criada com o propósito de controlar sistemas nucleares de defesa.

Reprodução

Sala na UCLA onde aconteceu a primeira conexão à ARPANET, hoje Kleinrock Internet Heritage Site and Archive. O “armário” bege no canto direito é um IMP, o primeiro roteador.

A confusão acontece por dois fatores: além de ser um projeto desenvolvido por uma organização militar, o design da rede, sem um servidor central, foi baseado em um estudo para a criação de redes de comunicação que pudessem continuar funcionando mesmo se parte delas fosse destruída em um ataque, por exemplo. Na verdade, a idéia inicial era permitir que os vários centros de pesquisa que participavam de projetos da ARPA pudessem se comunicar para trocar informações e compartilhar recursos.

O objetivo foi atingido, mas ao longo dos anos a rede se transformou em algo muito maior, que toca nossas vidas em quase todos os momentos do dia. Hoje, mais de 4,9 bilhões de usuários estão conectados à internet, o que representa mais de 60% da população mundial.

A idéia

O conceito foi proposto em 1966 por Bob Taylor, então diretor do Escritório de Técnicas de Processamento de Informação (IPTO) do Departamento de Defesa dos EUA. Em seu escritório havia três terminais, cada um conectado a um sistema de computação: um ao Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), um à Universidade da Califórnia em Berkeley (UCB) e outro à System Development Corporation (SDC).

Cada sistema tinha sua “comunidade” de usuários, mas eles não se falavam entre si. Se Taylor estivesse conversando com um usuário em um sistema e quisesse consultar um usuário ou informação em outro sistema, teria de se levantar e ir ao terminal correspondente. A forma de resolver isso lhe pareceu óbvia: interligar os sistemas, para que um único terminal pudesse lhe dar acesso a qualquer lugar.

O projeto foi aprovado por Charles Herzfeld, diretor da ARPA, e recebeu um orçamento de um milhão de dólares que originalmente seria usado em um programa de mísseis balísticos. O contrato para a construção da rede foi dado à Bolt, Beranek & Newman (BBN), que entre outras coisas ficou encarregada de desenvolver os computadores responsáveis pelo envio, transmissão e retransmissão das mensagens da rede, os IMPs (Interface Message Processor), ancestrais dos atuais roteadores. Tudo foi feito rapidamente: entre a assinatura do contrato e o primeiro teste foram apenas seis meses.

Expansão

Inicialmente a ARPANET tinha quatro “nós”: UCLA, SRI, UCSB (Universidade da Califórnia em Santa Barbara) e a Escola de Computação da Universidade de Utah. Mas o projeto cresceu rapidamente: 9 nós em junho de 1970, 13 em dezembro do mesmo ano; 18 nós em setembro de 1971, e 40 dois anos mais tarde. Em 1981, já eram mais de 200 computadores conectados à rede, com um novo se juntando a ela a cada 20 dias.

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Mapa da ARPANET em 1969

A ARPANET só começou a se expandir para outros países em 1973, quando uma instituição de pesquisa na Noruega se juntou à rede. Pouco depois, um nó em Londres foi adicionado. Foram os primeiros passos na criação de uma “teia” global, que eventualmente conectaria todo o planeta.

Porteiras abertas

Apesar do crescimento, a ARPANET era apenas “uma” rede. O pulo do gato, que levou à criação da Internet como a conhecemos, foi a conexão dela a outras redes de pesquisa que surgiram mais tarde, como a NSFNet (National Science Foundation Network, criada para interligar centros de supercomputação nos EUA), a NASA Science Network e redes educacionais como a Bitnet e CSNET, que conectavam universidades nos EUA.

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Mapa da ARPANET em 1977

Para isso era necessário que todas estas redes usassem uma “linguagem”, ou protocolo comum. Isso foi resolvido a partir de 1974 com a criação do Transmission Control Program (TCP). Junto com o protocolo IP ele se tornou o TCP/IP, que é a base para todas as conexões à Internet até hoje. Aliás o documento que detalha o TCP, chamado RFC 675, contém o primeiro uso registrado da palavra Internet, referente à uma conexão entre redes – a rede mundial de computadores.

A ARPANET permaneceu um projeto governamental até 1990, quando foi dissolvida. Seus principais usuários eram centros de pesquisas, universidades e empresas que trabalhavam em projetos para a DARPA, e o uso comercial era proibido. Foi só em 1989 que o grande público pôde participar, ainda que de forma indireta.

Nesta época, serviços online como a CompuServe e AOL já estavam se tornando populares nos EUA, mas eram como ilhas: um usuário da CompuServe não conseguia conversar diretamente com um da AOL, e vice-versa. Empresas que desejassem manter uma presença online frequentemente tinham de manter uma estrutura em cada serviço, para atender ao máximo de consumidores.

Mas em setembro de 1989 a Compuserve anunciou a criação de um “gateway” que possibilitava que seus usuários trocassem mensagens com os usuários da Internet, que na época era composta por 1.000 redes interconectadas, com um total de 500 mil usuários, segundo a revista Infoworld. O conceito era tão novo que havia uma seção dedicada no fórum de ajuda da Compuserve explicando como tudo funcionava.

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No mesmo mês, a MCI Mail, maior provedor de e-mail da época, também criou um gateway que permitia a conexão entre usuários, novamente apenas via e-mail. Estavam abertas as portas para que o grande público entrasse definitivamente na rede.

Mas a grande revolução, que levaria à “explosão” de popularidade e formação da “internet” como conhecemos hoje ainda estava por vir: a criação da WWW (World Wide Web), um sistema de informação multimídia composto por páginas interligadas e acessível através de um programa especial, o browser (ou navegador). Mas isso é outra história…

Colunista

Rafael Rigues é colunista no Olhar Digital