O Critical Assessment of Structure Prediction (em tradução livre, Avaliação Crítica da Predição de Estruturas) reúne centenas de estudiosos que tentam prever a forma tridimensional das proteínas (ou enovelamento de proteínas) no corpo humano. Trata-se de um concurso mundial para cientistas, mas quem o venceu foi o DeepMind, laboratório de inteligência artificial (IA) do Google — adquirido em 2014 por US$ 650 milhões.
Muitos competidores usaram métodos semelhantes ao do DeepMind, mas o laboratório melhorou a precisão de previsão da estrutura proteica quase duas vezes mais que o esperado. Não é à toa: o DeepMind é specializado em deep learning, um tipo de inteligência artificial que busca simular o cérebro humano no desenvolvimento de tarefas.
Muitas empresas já aplicam métodos similares em outras partes do processo, longo e extremamente complexo, de produção de novos remédios. Esse tipo de pesquisa de IA se apoia em grande poder de computação. Por ser do Google, o DeepMind usa enormes centros de dados de computadores. Para melhorar, o laboratório emprega muitos dos principais pesquisadores de AI do mundo. “Isso nos permite ser muito mais criativos, tentar muitas outras ideias, muitas vezes simultaneamente”, diz Demis Hassabis, executivo-chefe e cofundador do DeepMind.
As pesquisas que levam cientistas a dedicarem sua carreira ao enovelamento de proteínas são importantes porque a descoberta dessas estruturas pode simplificar a criação de remédios e o combate a doenças. E as técnicas de IA são uma forma de acelerar muitos aspectos dessas pesquisas e, em alguns casos, executar tarefas normalmente manipuladas por cientistas.
O problema do enovelamento de proteínas faz uma pergunta direta: você pode prever a estrutura física de uma proteína, ou seja, sua forma em três dimensões? Se os cientistas conseguirem fazer isso, podem determinar melhor como outras moléculas se “ligam” a ela.
No concurso, o DeepMind fez essas previsões usando redes neurais — sistemas matemáticos complexos que podem aprender tarefas ao analisar grandes quantidades de dados. A partir da análise de milhares de proteínas, a rede neural pode prever a forma de outras. A vitória do laboratório do Google mostra que o futuro da pesquisa bioquímica será cada vez mais impulsionado pelas máquinas e pelas pessoas que as supervisionam.
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Participantes da competição lamentam
Um dos participantes da competição, Mohammed AlQuraishi, um biólogo que é pesquisador da Escola de Medicina de Harvard, lamentou a vitória do DeepMind. “Fiquei surpreso e desanimado. Eles estavam bem na frente de todos os outros”, recorda.
Mesmo desapontado, ele criticou fortemente grandes empresas farmacêuticas como Merck e Novartis, bem como a comunidade acadêmica de Harvard. Segundo ele, elas deveriam manter o ritmo nas pesquisas com IA.
Em seu blog, AlQuraishi alerta essas companhias. Ele diz que os pesquisadores “mais inteligentes e ambiciosos” que querem trabalhar na estrutura de proteínas “procurarão por oportunidades no DeepMind em vez de na Merck ou na Novartis”. Para ele, isso deveria causar “calafrios” nos executivos da indústria farmacêutica, mas não acontece porque eles são “ignorantes, sem rumo e estão dormindo no leme”.
Para Derek Lowe, um antigo pesquisador de descoberta de drogas e autor do In the Pipeline, blog dedicado à descoberta de medicamentos, concorda com o posicionamento de AlQuraishi. “Não é que as máquinas substituam os químicos. É que os químicos que usam máquinas substituirão os que não usam.”
Como contraponto aos argumentos dos pesquisadores, as grandes empresas farmacêuticas aplicam o “deep learning” em suas produções, mas o concentram em outros aspectos do processo de descoberta de remédios. Isso porque veem que o impacto potencial da solução do problema do enovelamento proteico está a anos de distância. “Temos de conectar muitos outros pontos”, avalia Juan Alvarez, vice-presidente associado de química estrutural e computacional da Merck.
Da mesma forma, empresas iniciantes, como a Atomwise, de São Francisco, e a Recursion, de Salt Lake City, adotam técnicas de IA para acelerar outros aspectos da descoberta de medicamentos. A Recursion, por exemplo, usa redes neurais para analisar imagens de células e aprender como novas drogas as afetam. “Todo mundo está nesse caminho”, conta Jeremy Jenkins, chefe de ciência de dados para biologia química e terapêutica na Novartis. “Com o tempo, esses métodos ficarão do tamanho de toda a nossa empresa.”