Fato ou conspiração: celulares gravam suas conversas para exibir anúncios?

Muita gente conta uma história similar, mas há poucos indícios científicos de que isso aconteça no mundo real
Renato Santino12/07/2019 01h43, atualizada em 12/07/2019 11h00

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Todo mundo conhece alguém que conta uma história similar: estava falando sobre um produto ou serviço em voz alta com outra pessoa enquanto o celular estava por perto. Em alguns instantes, você vê um anúncio sobre aquele mesmo serviço na internet. Será que os microfones dos smartphones são usados para ouvir tudo o que você diz com o objetivo de servir anúncios?

Essa crença é bastante comum, e uma pesquisa da Consumer Reports, organização dedicada à defesa do consumidor mostra que cerca de 43% dos americanos que possuem um smartphone acreditam que os dispositivos estão sendo usados para gravação não-autorizada de conversas. Acontece, no entanto, que nenhum estudo (e já houve vários) conseguiu provar que essa crença é real.

Em um desses testes, realizado entre 2017 e 2018, pesquisadores da Northeastern University liderados pelo professor de ciência da computação David Choffnes analisaram 17 mil dos aplicativos mais populares para Android, mas não conseguiram encontrar um único caso em que o microfone tenha sido ativado indevidamente e transmitido dados de voz. Outro experimento, desta vez focado apenas nos maiores aplicativos (como Instagram, Facebook, Google, Chrome, Amazon), realizado pela empresa de segurança Wandera, teve o mesmo resultado.

Tudo indica, portanto, que trata-se de uma teoria da conspiração. Choffnes indica que a coleta massiva de dados de voz e o processamento dessa informação dependeria de um salto no poder computacional dessas plataformas, tornando a operação menos viável. Ele aponta que esse tipo de monitoramento pode ser mais interessante para casos específicos, geralmente em ações de ciberespionagem direcionadas para figuras de alto escalão, e não tanto para nós, usuários comuns.

Mas se os aplicativos não estão pegando suas conversas, de onde vêm essa impressão de que estamos sendo vigiados? Os anúncios não podem ser coincidência, podem? O fato é que existem outros métodos de monitoramento aos quais estamos sujeitos online e que são tão ou mais efetivos para entender nossas preferências do que coletar nossas conversas.

Google e Facebook, por exemplo, monitoram basicamente tudo o que você acessa na internet graças a ferramentas incorporadas aos sites e aplicativos que você usa cotidianamente. Além disso, sua localização pode ser facilmente deduzida pelos apps graças a informações de GPS e das torres de celular com as quais seu dispositivo se comunica. Sabendo onde você está, os lugares que você frequenta e o tipo de coisa que desperta o seu interesse, fica mais fácil direcionar anúncios de uma forma precisa para o seu gosto.

Além disso, o fato de não estarem ativando seu microfone sem permissão não quer dizer que os aplicativos não apresentem comportamentos indevidos. Choffnes menciona em seu estudo que 9 mil aplicativos estavam capturando a tela dos celulares e transmitindo a informação para outras empresas, o que pode revelar informações altamente privativas, como endereço, número de cartão de crédito e tantas outras coisas.

Assim, o mais provável é que, se você viu um anúncio de um tênis sobre o qual você estava conversando com um amigo, que você em algum momento tenha procurado sobre esse tênis na internet.

Renato Santino é editor(a) no Olhar Digital