Desde o início da história da computação, a premissa básica é sempre a mesma: 0 para falso, 1 para verdadeiro. Essa dualidade lógica simples, interpretada pelas máquinas se tornou a fundação de tudo que é digital: suas imagens, suas músicas, seus vídeos, seus textos… tudo pode ser traduzido em zeros e uns. Todos os algoritmos que formam os programas e apps que usamos em PCs ou celulares são apenas zeros e uns.
Cada um desses zeros ou uns se chama de “bit”. Essa dualidade básica nos trouxe desde o ENIAC até os dias atuais e tem sido o suficiente para inúmeras tarefas que hoje realizamos com maior agilidade graças a computadores e smartphones. No entanto, existem alguns desafios que a computação normal jamais será capaz de resolver, simplesmente por não haver poder suficiente para resolvê-los. Para isso, a ciência trabalha na evolução do computador quântico.
O nome da tecnologia deriva diretamente das propriedades da física quântica, que permite ir muito além da dualidade dos bits que conhecemos. Desta forma, seria possível superar as limitações dos zeros e uns para alcançar resultados para tarefas muito mais exigentes em muito menos tempo.
Além do bit
A física quântica prevê alguns comportamentos de partículas que vão muito além do “sim” e “não”, do “verdadeiro” e “falso”. Essa limitação que forma o bit é simplesmente aniquilada quando falamos na computação quântica e dá origem ao qubit, ou bit quântico.
O qubit é muito diferente do bit convencional. Enquanto na computação clássica o bit é representado por impulsos elétricos ou ópticos, na computação quântica o qubit é, na verdade, uma partícula de nível subatômico. Isso pode ser, por exemplo, um elétron ou um fóton.
É graças a uma propriedade quântica chamada de superposição que uma das diferenças básicas entre o bit e o qubit aparece. Enquanto um bit é binário, restrito ao zero e um, um qubit pode representar várias combinações de zero e um ao mesmo tempo.
Como resultado desta propriedade, um computador quântico pode reduzir severamente o tempo necessário para concluir uma tarefa já que pode avaliar diferentes combinações de resultados simultaneamente.
Uma outra característica importante da física quântica que se traduz em um desempenho incomparável dos computadores quânticos é o entrelaçamento. Essa característica ainda não completamente compreendida pela ciência faz com que duas partículas interligadas reajam de forma similar mesmo quando separadas por longas distâncias. Ainda que os motivos para tal ainda sejam misteriosos, o resultado é fácil de compreender: mude o estado de uma partícula, e a outra também mudará.
Na prática, isso cria uma situação exponencial de ganho de desempenho. Nos computadores clássicos, ao dobrar o número de bits, você também dobra a sua capacidade computacional, o aumento no número de qubits traz ganhos em uma escala muito mais acelerada.
O que é a supremacia quântica?
O Google anunciou nesta semana que seu processador quântico, chamado de Sycamore, obteve a supremacia quântica. É uma expressão que pode parecer um pouco incomum, mas trata-se um termo importante que prevê um evento marcante: o momento em que um computador quântico consegue resolver com rapidez uma tarefa que seria impossível de ser resolvida mesmo com o computador clássico mais poderoso do mundo.
A conquista do Google foi feita ao examinar com o Sycamore se um gerador de números aleatórios realmente produzia números aleatórios. Pode parecer simples, mas não é tarefa simples. O computador mais poderoso do planeta seria capaz de resolver esse problema em um tempo estimado de 10 mil anos; enquanto isso, o Google conseguiu concluir a missão em 200 segundos.
No entanto, ainda que a conquista do Google seja importante, como informa o MIT Technology Review, ela ainda tem um escopo limitado, o que significa que essa supremacia ainda é bastante delicada. Nesta aplicação específica, de verificar a aleatoriedade dos números de um gerador de números aleatórios, o Sycamore obteve sucesso.
Fragilidade
Uma das coisas que fazem com que os computadores quânticos não sejam tão supremos quanto se espera deles, é o fato de cometerem erros muito mais frequentemente que as máquinas clássicas devido à delicadeza dos qubits.
O estado quântico dos qubits pode durar apenas por um instante ínfimo, de menos de um segundo e pode ser interrompido com grande facilidade por coisas como variação de temperatura ou uma leve vibração. Isso faz com que cálculos contenham erros, gerando resultados menos confiáveis.
E ainda que esse ponto venha a ser resolvido, ainda há vários obstáculos para que a computação quântica seja realmente dominante como se espera que ela um dia seja. Os computadores quânticos como existem hoje, sequer se encaixam no patamar de computadores de propósito geral, como são conhecidos, por exemplo, os nossos PCs, que conseguem realizar diversos tipos de tarefas. Como resultado, as máquinas quânticas apenas realizam tarefas bastante pontuais, como fez o Sycamore do Google.
Ou seja: o computador quântico pode mudar completamente o mundo na teoria. Na prática, a tecnologia mostra sinais promissores, mas ainda está muito longe de ser tudo que promete.
Impactos positivos e negativos
Existem preocupações sobre o que o avanço da computação quântica significa, se ela um dia atingir o patamar que se espera dela. É importante notar que não existe qualquer chance de computadores clássicos serem substituídos pelos quânticos em um curto prazo, o que significa que você não vai escrever um documento do Word ou jogar o novo “Call of Duty” em uma dessas máquinas em um futuro próximo.
Isso quer dizer que essas máquinas permanecerão nas mãos de grandes empresas e agências governamentais por um bom tempo. A grande preocupação em relação a essa concentração tecnológica tem a ver com segurança e privacidade: não existe hoje qualquer tipo de criptografia capaz de resistir a um computador quântico teórico operando em plena capacidade.
Imagine o poder disso na mão de uma NSA, por exemplo, podendo obter virtualmente qualquer informação sobre qualquer pessoa que circule online. Imagine quantos segredos de Estado não poderiam ser roubados com facilidade?
A parte interessante é que, em teoria, o mesmo poder poderia ser usado no sentido oposto. Já que as máquinas quânticas são tão potentes, elas também poderiam ser usadas para, em vez de destruir padrões de criptografia, criar novos significativamente mais potentes, que não poderiam ser quebrados nem mesmo por outros computadores quânticos.
Isso, claro, está em um plano teórico no qual computadores quânticos são muito mais capazes e versáteis do que atualmente. No entanto, esse tipo de máquina já tem aplicações interessantes no mundo real. Fabricantes de automóveis, por exemplo, já usam essas máquinas para realizar simulações pesadas visando buscar a melhor composição química para a bateria de veículos elétricos, o que lhes permitiria cortar custos e maximizar desempenho. A Airbus também já tem suas aplicações para a tecnologia quântica, que permite à companhia simular qual é a melhor trajetória de decolagem e pouso para economizar combustível. Na prática, qualquer aplicação que exija alto desempenho de um computador pode se beneficiar consideravelmente.