Como funciona a matemática do ‘achatamento da curva’ do coronavírus

Entenda um pouco mais sobre os números e funções por trás desse processo perseguido pelas autoridades de saúde no planeta
Renato Santino25/03/2020 02h33, atualizada em 25/03/2020 09h00

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Nas últimas semanas, uma expressão ganhou muita força entre os preocupados com a contenção do coronavírus: “achatar a curva“. O termo tem a ver com reduzir ao máximo o ritmo de transmissão do vírus, fazendo com que o número de casos ativos que necessitem de hospitalizações não supere o número de leitos hospitalares disponíveis, garantindo que todos que precisem tenham o atendimento adequado, minimizando o número de mortes.

Mas como funciona exatamente esse achatamento de curva? Existe, sim, uma matemática que mostra como o gráfico de contágio funciona nessa situação e que explica a o comportamento da doença no mundo, como analisou a revista Wired.

Primeiro, é importante entender o que é uma função exponencial. Muitos dos gráficos que vemos mostram a doença acelerando o ritmo de contágio rapidamente, chegando ao ponto de se transformar praticamente em uma linha reta, perpendicular ao eixo horizontal em pouco tempo. Com o coronavírus, estima-se que cada pessoa transmita para duas ou três pessoas, segundo o Ministério da Saúde. Supondo que o primeiro infectado transmita o vírus para duas pessoas após três dias, serão três casos; essas duas novas pessoas passarão para outras quatro, totalizando sete. As quatro novas infectarão oito pessoas, e já somam 15. As oito novas contaminarão 16, e assim por diante. A curva começa a acelerar, até chegar o momento em que 4.096 pessoas contaminarão 8.192, com um total de 16 mil casos confirmados em um período de apenas 40 dias, e os números só seguem crescendo cada vez mais rápido.

Você já deve imaginar esse gráfico, porque ele está em todos os noticiários, refletindo inclusive o momento da curva de contágio que vemos atualmente no Brasil.

A fórmula a seguir tenta retratar essa situação incluindo um multiplicador de taxa de infecção. No caso, a fórmula mostra a variação no número total de casos (ΔN) pelo tempo (Δt) é proporcional ao número total de casos (N) multiplicado por um fator de proporcionalidade (a), que é a taxa de infecção diária.

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Com um percentual de novas infecções diárias de 20%, uma cidadezinha totalmente isolada de 10 mil habitantes que tenham registrado 1 caso no dia zero teria contaminado praticamente a cidade inteira, passando dos 7 mil casos em questão de 45 dias, como mostra o gráfico abaixo.

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O gráfico assusta, claro. É um ritmo que faria com que 100% das pessoas fossem infectadas em questão de 50 dias. No entanto, por razões óbvias, não é possível que esse ritmo se mantenha para sempre: para que a curva siga sua trajetória infinitamente, seria necessária que a população fosse infinita.

Felizmente, em algum momento, o ritmo de contágio diminui, até porque governos começam a agir, as pessoas começam a se isolar e a transmissão diminui. Foi o que se viu na China; em vez de o número de contaminados subir até atingir mais de 1 bilhão de habitantes, ele se manteve parado entre os 80 mil e 90 mil. Invariavelmente, outros países alcançarão esse platô no gráfico, sem crescimento no número de infectados, seja por sucesso nas medidas de contenção, seja pelo fato de que não há mais ninguém saudável para infectar. No gráfico, isso toma a forma de um “S”.

E esse efeito também pode ser representado por uma fórmula, utilizando uma função logística, como estimou a Wired.

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Neste caso, Nmax seria o número máximo de pessoas em uma população que podem ser infectados, então ao utilizar uma fórmula com essa estrutura, o fator “a”, que representa a taxa de infecção diária, se reduz a cada dia, conforme o número de infectados aproxima do máximo, até chegar o momento em que, multiplicado por 0, ele é anulado, e não há mais contágio.

O resultado é o gráfico abaixo, muito próximo do que é visto na China. Para esse cálculo, foi utilizado uma taxa de infecção de 39,4% com uma população total de 80 mil pessoas.

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E aí que entra o tal do achatamento da curva. Quando você ajusta o valor de “a” para baixo, efetivamente reduzindo o quão contagiosa é a doença (como resultado das medidas de contenção), é possível ver que demora mais tempo para que o vírus atinja o máximo. Isso significa que menos pessoas estão simultaneamente doentes, evitando a sobrecarga dos sistemas de saúde.

Quando se refaz o cálculo do gráfico anterior reduzindo a taxa de contágio de 39,4% para 30%, você vê o resultado abaixo. O número de pessoas afetadas ainda é o mesmo, mas é necessário mais tempo para chegar lá. Se você conseguir reduzir para 25%, a contaminação total da população, que levaria 40 dias, agora leva 80.

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O gráfico acima representa o total de infectados na história da doença. Ele não leva em consideração o número de curados ou mortes, o que significa que ele nunca vai diminuir. No entanto, quando se coloca no gráfico o ritmo de novas infecções com o tempo, é possível ver o que acontece.

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Mantendo os parâmetros anteriores, com taxas de infecções de 39,4% e 25%, você pode perceber que, no seu auge, a curva azul infectou muito mais pessoas do que a linha laranja, mesmo que o número total de infectados tenha sido exatamente igual após um tempo. É exatamente isso que os especialistas querem dizer quando mencionam “achatamento de curva”.

Renato Santino é editor(a) no Olhar Digital