Em abril de 2014, o Marco Civil da Internet estava sendo aprovado no Brasil. Criado em cima de um grande barulho, a nova legislação se mostrou inovadora e serviu de base para a criação da Lei Geral de Proteção de Dados no país. De todos os seus pilares, talvez o mais polêmico ainda seja o que trata da neutralidade na rede. E é justamente esse que devemos celebrar.
O Artigo 9º do Marco Civil da Internet (MCI) trata da neutralidade da rede e garante uma internet livre, na qual nenhuma operadora pode cobrar mais caro por um serviço em detrimento de outro. Desta forma, desde 2014, é proibido vender pacotes só com Netflix e outros só com WhatsApp, por exemplo. Isso porque essas empresas não podem se beneficiar de contratos exclusivos com as operadoras para alavancar seus produtos. Em outras palavras, é proibido transformar a internet em uma espécie de TV por assinatura.
Na íntegra, o texto diz o seguinte:
Art. 9º. O responsável pela transmissão, comutação ou roteamento tem o dever de tratar de forma isonômica quaisquer pacotes de dados, sem distinção por conteúdo, origem e destino, serviço, terminal ou aplicação.
Como vemos, a neutralidade na rede é uma regulamentação que oferece muito mais suporte aos usuários da internet do que às empresas que exploram a rede. Isso faz com que você e o seu vizinho possam navegar tutelados pelos mesmos direitos, mas cria uma série de questões que ainda precisam de debate e revisão.
E nestes cinco anos de Marco Civil da Internet, ainda temos três assuntos polêmicos que precisam de discussão.
Questão #1 – O fantasma da taxa zero
No início deste artigo, fiz questão de destacar o exemplo de benefício para aplicativos como Netflix e WhatsApp em prejuízo aos demais serviços de cada categoria. De acordo com o MCI, as operadoras não podem oferecer aos clientes o acesso privilegiado a essas plataformas. Contudo, sabemos que as operadoras possuem pacotes que oferecem WhatsApp, Facebook e Instagram ilimitados, correto? A isso, deu-se o nome de zero-rating ou taxa zero.
O zero-rating nada mais é do que a oferta de acesso gratuito e ilimitado a algumas aplicações e, não precisa ser um jurista para saber que tecnicamente esta prática fere os princípios da neutralidade da rede.
Se pegarmos como exemplo o Facebook e o Twitter, sendo que o primeiro é oferecido com acesso ilimitado e o segundo não, vai haver um momento em que o Facebook poderá ser usado enquanto o Twitter estará praticamente abandonado pelos usuários. Afinal, usá-lo implicaria no gasto de valiosos MBs de nossos planos. E isso é uma clara violação da neutralidade da rede como se encontra hoje no MCI.
Contudo, essa é uma prática aberta entre as operadoras no Brasil. E como o WhatsApp é o app de mensagens mais usado do Brasil, ninguém se importa. Até uma hora que essa prática atingir um aplicativo que nós gostamos.
Se uma empresa oferece acesso ilimitado ao WhatsApp, você optaria por usar o Telegram?
Questão #2 – A briga sobre a franquia de dados
Este é um dos temas mais polêmicos envolvendo o Marco Civil da Internet. Dois anos após a aprovação da lei, as operadoras brasileiras criaram os planos com limites de dados. Com isso, deixamos de lado a oferta de pacotes por velocidade e, logo, a prática da franquia não viola os princípios da neutralidade da rede.
Em 2016, quando as operadoras começaram a falar sobre limitar a internet fixa – aos moldes da rede móvel – a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) havia publicado uma medida cautelar proibindo a conduta. Contudo, até hoje, ainda não tivemos um parecer final da instituição sobre a questão. Aliás, tudo indica que isso aconteça ainda em 2019.
Desta forma, vale repetir que a implementação de franquias não violaria o Marco Civil da Internet, visto que se paga por determinado pacote de dados, e não por velocidade. No entanto, quando falamos desse assunto na banda larga, a briga é mais embaixo. Porque o consumo de dados dentro da nossa casa, com esse tipo de conexão, é muito maior, principalmente na hora de assistir séries do Netflix ou jogar um game online, por exemplo. E aí você afeta diretamente um ponto central na vida do consumidor.
Questão #3 – O impasse sobre a divisão da rede 5G
A implementação das redes 5G está começando no Brasil e, há cinco anos, quando o MCI foi aprovado, o assunto ainda era muito superficial. Contudo, agora que a tecnologia é uma realidade, há a possibilidade de fatiamento da rede, conhecida como network slicing, que pode dar aos provedores a chance de diferenciar tráfegos com qualidades diversas. E isso fere os princípios da neutralidade de rede.
A taxa zero viola, claramente, o Marco Civil; a questão das franquias não; agora, o fatiamento da rede 5G é, com certeza, um tópico a ser repensado pelos legisladores e responsáveis pelos órgãos de regulamentação. Isso porque sem o network slicing não haverá 5G.
Para alguns, existem vantagens no fatiamento da rede para a evolução da internet, em especial quando associamos o uso a determinadas categorias, como a dos carros autônomos, por exemplo. Para o professor da UFPR, Luis Bona, dar prioridade a certas ações na rede poderia salvar vidas: “Talvez seja justo pensar que os pacotes de dados que permitem ao seu carro dizer que vão colidir com outro carro tenham prioridade”.
Entretanto, priorizar parte da rede violaria o Marco Civil, pois se hoje temos 100% de disponibilidade e amanhã 80%, seria contrário ao Artigo 9º, citado no começo do texto. Logo, para que o 5G avance, teremos que discutir uma regulação específica levando em consideração o MCI.
Podemos comemorar o Marco Civil da Internet?
Sim. A internet brasileira deixou de ser “terra de ninguém” e passou a oferecer suporte aos consumidores. Se hoje o acesso à rede é livre, ao contrário de muitos serviços no país, é porque se criou uma legislação pró consumidor, respeitando os direitos do povo acima do lucro das empresas. Agora, é claro que com a evolução da tecnologia, alguns pontos precisarão de revisão com o tempo, bem como um olhar mais demorado dos órgãos reguladores sobre as práticas do mercado.
Com informações do InternetLAB.