De mansinho, os robôs estão cada vez mais presentes no dia a dia. A maior parte deles é invisível e está em sistemas de todo tipo. São os chatbots, softwares que simulam o comportamento humano em uma conversa. A ideia é que eles respondam às perguntas de forma a dar a impressão de que se trata de uma pessoa, não de um programa de computador.
As tecnologias que facilitaram isso foram a inteligência artificial (IA) e a computação cognitiva — que simula o pensamento humano. Embora a IA já exista desde a década de 1950, até 2012 não havia uso prático dela. “Em 2014, surgiram os primeiros chatbots comerciais, da Netshoes e da Sky”, conta Alexandre Bernardoni, diretor de produto e sócio-fundador da Hi Platform.
Segundo ele, esses pioneiros eram bastante simples. “Além de entender pouco as intenções dos consumidores, eram sistemas muito limitados. Atualmente, é essencial que o chatbot efetivamente resolva o problema do cliente — em vez de indicar que ele faça uma ligação ou envie um e-mail, por exemplo — e possa fazer trocas, responder a dúvidas e assim por diante.”
Com a evolução das plataformas, o mercado se desenvolveu. Hoje, os chatbots estão em toda parte, mas um dos mais populares é o do Facebook Messenger. E é bastante provável que você já tenha tido contato com ele: muitas empresas que comercializam produtos e serviços usam o recurso para conversar de forma mais individualizada com os clientes e, claro, aumentar as chances de garantir mais vendas.
Uma das maiores vantagens da tecnologia é o fato de ela não requerer treinamento específico. “Afinal, conversar é muito mais natural do que usar um computador”, explica Elio Capelati, CIO da Loud Voice Services. O chatbot atinge mais pessoas e faz que elas usem mensagens de texto mais facilmente. “Funciona como uma conversa: o cliente traz a dúvida e a ferramenta a analisa para entender a possível intenção”, avalia.
Automação de tarefas simples
Esses robôs são úteis quando se quer automatizar tarefas simples de forma a permitir que os humanos sejam liberados para funções estratégicas. Uma dúvida simples, por exemplo, pode ser resolvida diretamente pelo sistema. Além disso, o brasileiro não gosta de falar com Sistemas de Atendimento ao Cliente (SAC).
Uma pesquisa conduzida pela Opinium mostra que, das situações mais desagradáveis do cotidiano, falar com um SAC está em primeiro lugar, com 35%. “Ninguém quer perder esse tempo ao telefone. Então, a tecnologia do chatbot é preferida”, diz Capelati. E se o cliente precisar de ajuda mais especializada, pode pedir para falar com um humano.
Há muitas opções e cada empresa escolhe a que melhor pode atender às suas necessidades. Algumas criam personas e outras preferem que o consumidor saiba que se trata de um chatbot. Vale lembrar, entretanto, que a persona não necessariamente se passa por um humano — seu uso, porém, faz o cliente se identificar mais facilmente.
Outro uso interessante é o que permite tornar a relação da empresa com o consumidor mais dinâmica. “Um chatbot proativo pode interagir com clientes frequentes, por exemplo”, sugere Bernardoni. Assim, uma clínica médica pode informar um paciente que é o momento de fazer um check-up anual. Ou uma loja que vende produtos para animais de estimação pode oferecer a compra recorrente de ração.
Essa reinvenção da forma de falar com o consumidor, além de surpreendê-lo positivamente, diminui a taxa de erros, economiza tempo da companhia e melhora a experiência do cliente. “É uma ação que traz conforto para o usuário e é barata para a empresa: afinal, quando é preciso falar com muita gente, a mão de obra humana é cara.”
Auxílio em recrutamento e seleção
Como boa parte dos consumidores tem conta no Facebook, é muito fácil chegar a eles quando se usa o chatbot. “Como ele é um robô em que se pode aplicar tecnologia, a variedade de opções é grande”, diz Diego Ximenes, co-fundador da 99jobs.
Ximenes explica que a ferramenta é bastante segura e confiável. “A implementação é rápida e o desempenho é muito bom, porque é estável e veloz”, completa. A 99jobs cria chatbots para processos de recrutamento e seleção, um uso bastante novo da ferramenta, mas já adotado por empresas como Itaú, Natura e Uber. “A inteligência do chatbot identifica comportamentos e permite a comparação para escolher perfis específicos.”
A quebra de paradigma do uso dos chatbots veio com a transformação deles em personagens. Isso faz que o candidato se identifique e se sinta mais confortável. No desenvolvimento do sistema, são criadas múltiplas histórias em roteiros que fazem sentido para o candidato — de acordo com o perfil definido para a vaga. “O participante percebe a diferença já na inscrição: o robô mostra para ele, de cara, como é trabalhar na empresa”, conta Ximenes.
Em algumas situações, parece tão real que o candidato pensa que realmente é uma pessoa. Isso porque, segundo Ximenes, os chatbots contam histórias que levam os participantes a se interessarem. “No caso do Itaú, mais de 100 mil pessoas passaram pelo processo. Mesmo entre os que não foram aprovados, mais de 75% recomendariam a experiência.”
E ele diz que o recrutamento tem um alto índice de sucesso: depois de seis meses, a rotatividade é baixa. “O contratado de fato entende como é trabalhar na empresa e o que ele foi fazer ali. Como o chatbot é integrado ao sistema de gestão da companhia, encontra pessoas mais adequadas às necessidades”, ressalta.
Isso é possível porque o candidato interage com o chatbot. Apesar de profunda, a análise é enxuta: Ximenes explica que a experiência não pode ser longa para não se tornar chata. A ferramenta é usada nas primeiras fases da seleção para entender as características do candidato e onde ele pode se encaixar. Sem humanos no processo, é possível contratar alguém em 15 ou 20 minutos.
Aprendizado constante
Os chatbots estão cada vez mais refinados. A IA embutida neles aprende continuamente e, quanto maior o volume de dados, mais extenso o aprendizado. Esse processo, no entanto, precisa de supervisão. “Se não for supervisionado, é muito perigoso”, comenta Capelati. Ele lembra da robô Tay, da Microsoft, que se tornou racista depois de ser colocada no Twitter.
Para controlar esse processo, é comum que o aprendizado seja com base no que deu errado em ocasiões anteriores. “É preciso dizer para o robô como aprender. Esses sistemas precisam de curadoria, porque não aprendem sozinhos.”
Então, se um consumidor quiser fazer uma transferência de dinheiro, por exemplo, o chatbot tem de entender as diferentes formas de fazer esse pedido. Pode ser o tradicional “quero fazer uma transferência”, mas também o jocoso “preciso mandar uma grana”. Os especialistas ensinam o robô a lidar com situações inesperadas: por isso, é comum ouvi-lo dizer “não sei, mas estou aprendendo rápido” quando se depara com uma situação nova.
Eles ainda vão evoluir mais
Os chatbots já evoluíram muito e são capazes até de entender intenções, subentendidos e ironias. “Isso é possível graças ao avanço do poder computacional, porque a IA precisa dele”, reflete Bernardoni. “Ainda há o que progredir, mas os sistemas atuais já entendem bem a linguagem natural.”
A evolução dos chatbots são os voicebots. Mais sofisticados, eles garantem conversas muito semelhantes às que se tem com atendentes humanos. “As pessoas são muito educadas quando conversam com esse tipo de robô: em geral, no fim da conversa, elas falam o nome dele e o agradecem, como se um humano tivesse resolvido os problemas”, conta Elio.
E é comum, ainda, que os clientes tenham muita paciência com a tecnologia: quando o sistema não entende uma pergunta, os consumidores geralmente a reformulam para facilitar. Em média, esse tipo de atendimento resolve até 70% dos casos.
Alguns robôs são usados para ligar para call centers e, muitas vezes, são atendidos por humanos. Para evitar que a ligação seja desligada, foram criados gatilhos de humanização. “Ao tentar cancelar um contrato, por exemplo, se forem inseridos ruídos, como o choro de um bebê, os atendentes se tornam mais solícitos para resolver o problema”, destaca.
Com a popularização das assistentes digitais, como Google Assistente e Alexa, a grande tendência é que os chatbots de empresas se conectem a elas para resolver problemas. “A presença do Echo nos EUA é muito grande”, diz Bernardoni. “Ele foi lançado há quatro anos e superou as expectativas de vendas por lá.”
No Brasil, a chegada da Alexa em português na quinta-feira (3) representa um movimento importante. O Google Assistente já está por aqui há algum tempo, mas, com a concorrência, a chance de que ambos melhorem rapidamente aumenta muito. “E falar com a assistente é muito prático”, diverte-se Bernardoni.
Por enquanto, tanto o Google Assistente quanto a Alexa têm limitações cognitivas. As empresas dizem que ensinam as assistentes continuamente a falar novos idiomas e a entender culturas locais, mas o fato é que elas nem sempre entendem completamente o que se quer dizer em português.
Bernardoni ressalta que a evolução deve ser muito rápida. É natural, então, que em algum momento a tecnologia das assistentes digitais chegue a todos os aparelhos. “Em 2022, o mundo já vai ser muito diferente do que é hoje”, aposta.