Assassinos, faca de cocô e Bolsonaro: conheça os vencedores do prêmio da ciência bizarra

Ig Nobel anunciou vencedores de 10 prêmios, e mencionou diretamente o presidente brasileiro e outros líderes que rejeitaram a ciência no combate à pandemia de Covid-19
Renato Santino18/09/2020 22h46, atualizada em 18/09/2020 23h30

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Você provavelmente já conhece o prêmio Nobel, que reconhece os grandes feitos da ciência durante um ano, certo? E o Ig Nobel (trocadilho com “ignóbil”)? A premiação anual visa trazer atenção para estudos curiosos e outros feitos bizarros não necessariamente científicos em um tom humorístico e com crítica social. A edição 2020, realizada remotamente em decorrência da Covid-19, não perdeu a acidez de costume e distribuiu 10 prêmios.

Tradicionalmente, o vencedor do Ig Nobel não recebe nada valioso pela premiação, além da fama (ou infâmia) e uma nota de 100 trilhões de dólares zimbabuanos, que é outra piada dos organizadores, já que a moeda do país africano, aposentada em 2009, teve seu valor corroído por uma crise inflacionária que fez com que essa nota valesse cerca de US$ 0,40 em seu pior momento.

Os vencedores deste ano incluem até mesmo o presidente brasileiro Jair Bolsonaro e outros líderes globais pela gestão da pandemia. Conheça abaixo todos os vencedores:

Educação Médica: os líderes que ignoraram a Covid

Começando pelo prêmio que está mais perto dos brasileiros. Os organizadores premiaram nove líderes que adotaram a política de tentar não intervir na circulação do coronavírus em seus territórios e rejeitar as orientações científicas de controle da pandemia. Eles são Jair Bolsonaro, do Brasil; Boris Johnson, do Reino Unido; Narendra Modi, da Índia; Andrés Manuel López Obrador, do México; Alexander Lukashenko, de Belarus; Donald Trump, dos Estados Unidos; Recep Tayyip Erdogan, da Turquia; Vladimir Putin, da Rússia; e Gurbanguly Berdimuhamedow, do Turcomenistão.

A citação do prêmio deixa claro o tom de protesto. Nas palavras dos organizadores, esses líderes foram premiados por “usarem a pandemia viral de Covid-19 para ensinar ao mundo que políticos podem ter um efeito mais imediato na vida ou morte de pessoas do que cientistas e médicos”.

Acústica: o jacaré que berra sob demanda

Os pesquisadores Stephan Reber, Takeshi Nishimura, Judith Janisch, Mark Robertson, e Tecumseh Fitch foram premiados por induzirem um jacaré chinês a gritar em uma câmara hermética preenchida com gás hélio.

A ideia não era necessariamente fazer com que o animal realizasse um truque, mas sim analisar como o tamanho de seu corpo pode impactar sua comunicação vocal. No entanto, o método, selando o animal em uma câmara e tocando para ele outros gritos de jacarés, acabou chamando a atenção dos organizadores.

Ciência de materiais: faca de cocô não funciona

Metin Eren, Michelle Bebber, James Norris, Alyssa Perrone, Ashley Rutkoski, Michael Wilson, e Mary Ann Raghanti, em um experimento que não estaria fora de contexto nos episódios mais bizarros de “Mythbusters”, conseguiram provar que facas produzidas com fezes humanas congeladas não são eficazes.

O experimento bizarro tem origem em uma lenda de um homem da tribo inuíte, cuja família confiscou suas ferramentas para fazer com que ele deixasse o gelo e voltasse com eles para o acampamento. Mesmo assim, ele utilizou suas fezes para moldar uma faca, e usou sua saliva congelada para afiá-la. Agora equipado com esse acessório produzido ao estilo McGyver, ele conseguiu sobreviver mesmo longe da família.

Metin Eren e sua colega Michelle Bebber, então, passaram dias defecando em sacolas para obter o material para produzir suas facas que, obviamente não trouxeram nenhum resultado quando utilizadas para cortar couro, músculos ou tendões de porco e derreteram antes de conseguir fazer algum corte. Os pesquisadores, no entanto, indicam que pode ser necessário repetir o experimento em ambientes mais gelados para conclusões definitivas, já que os testes foram realizados a uma temperatura de cerca de 10°C.

Gerência: parabéns a cinco assassinos de aluguel

Xi Guang-An, Mo Tian-Xiang, Yang Kang-Sheng, Yang Guang-Sheng, e Ling Xian Si, cinco assassinos de aluguel chineses foram contratados para realizar um assassinato. Na verdade, apenas um deles foi contratado, mas cada um deles resolveu terceirizar a tarefa para o outro, recebendo um percentual cada vez menor a cada nível.

Xi Guang-Na contratou Mo Tian-Xiang, que contratou Yang Kang-Sheng, que contratou Yang Guang-Sheng, que contratou Ling Xian Si, que não matou ninguém. Sim, mesmo depois de tantas contratações, nenhum assassinato saiu do papel.

A história fica ainda melhor porque quando a oferta final chegou a Ling Xian Si, ele julgou o valor tão baixo que, em vez de tentar matar sua vítima, ele preferiu contatá-la para fingir que tinha feito o trabalho. No fim, tudo foi descoberto e todos os participantes foram condenados, incluindo o mandante original do crime.

Psicologia: a sobrancelha e o narcisismo

Miranda Giacomin e Nicholas Rule decidiram desenvolver um método para reconhecer pessoas narcisistas analisando suas sobrancelhas. Para isso, eles se basearam no fato de que algumas pessoas conseguem reconhecer praticamente imediatamente um narcisista, e os pesquisadores tentaram entender qual é o mecanismo por trás desse reconhecimento.

Os participantes do experimento foram apresentados a fotos de sobrancelhas e foram orientados a julgar se os diferentes estilos e formatos passavam a impressão de que a pessoa na foto era ou não narcisista.

Paz: toquei a campainha e saí correndo

Índia e Paquistão têm uma relação complicada há décadas, e isso acaba se estendendo para o comportamento de seus diplomatas. A rivalidade pode se manifestar até mesmo na mais infantil das provocações: tocar uma campainha no meio da madrugada e sair correndo antes que alguém pudesse atender a porta. Essa situação é real e foi registrada em 2018.

Além disso, também foram registrados incidentes como cortar o fornecimento de água e energia para casa de diplomatas, ligações ofensivas, além de diplomatas serem seguidos em seus carros.

Física: a minhoca muda de forma quando chacoalhada?

Ivan Maksymov e Andriy Pototsky resolveram testar o impacto de vibração de alta frequência no corpo de uma minhoca. A ideia dos pesquisadores era, baseado no efeito das ondas de Faraday geradas quando um corpo de água é agitado em uma frequência crítica, analisar como a movimentação pode afetar organismos vivos.

O uso das minhocas foi por um motivo simples: elas são baratas, facilmente acessíveis e não dependem de aprovação de nenhum comitê de ética para seu uso. E, sim, eles conseguiram detectar ondas de Faraday no corpo da minhoca, descritas no estudo como “um cilindro elástico preenchido por líquido”.

Economia: a relação entre beijos e desigualdade social

Christopher Watkins, Juan David Leongómez, Jeanne Bovet, Agnieszka Å»elaźniewicz, Max Korbmacher, Marco Antônio Corrêa Varella, Ana Maria Fernandez, Danielle Wagstaff e Samuela Bolgan tentaram estabelecer uma relação entre quantidade de beijos na boca dados por indivíduos de um pais e as relações de desigualdade econômica em um país.

O objetivo da pesquisa era estimar questões econômicas de um país podem afetar as relações sociais, especialmente as românicas, representadas pelos beijos. O estudo com 3.109 participantes concluiu que os “indivíduos beijam seus parceiros mais frequentemente em países onde a competição por recursos é mais intensa, o que pode ter um papel importante na manutenção de laços estáveis de longo prazo em certos tipos de ambientes hostis”.

Entomologia: estuda inseto e tem medo de aranha?

Richard Vetter coletou evidências de que muitos entomologistas, os cientistas que estudam insetos, têm medo de aranhas, que não são insetos. Vetter é consciente das diferentes classificações biológicas, mas ainda achou curioso que, sim, existem profissionais do ramo, que mesmo com ampla familiaridade e proximidade com todos os tipos de insetos, ainda conseguem achar aranhas repulsivas, o que julgou particularmente curioso, já que não-entomologistas costumam entender insetos e aranhas igualmente repugnantes.

Medicina: se irritar com som de mastigação é doença

Nienke Vulink, Damiaan Denys, e Arnoud van Loon diagnosticaram uma nova condição médica que até então não era reconhecida: a misofonia, que é a aflição sentida ao ouvir o som de outras pessoas mastigando.

Por meio da pesquisa, os cientistas conseguiram chegar a um grupo de pacientes com reações similares a sons naturais do corpo de outras pessoas, como a mastigação e até mesmo a respiração. Observando as características desses pacientes, eles concluíram se tratar de uma doença, mais especificamente um transtorno psiquiátrico, com uma lista de padrões para se diagnosticar a misofonia.

Renato Santino é editor(a) no Olhar Digital