Um homem chamado Mateus, condenado por tráfico de drogas, foi absolvido pela Justiça do Rio de Janeiro após a polícia invadir o smartphone e entrar no WhatsApp de seu amigo sem autorização judicial. A decisão da 7ª Câmara Criminal do TJ-RJ foi emitida na sexta-feira (13).

O caso aconteceu em 2017, e a investigação se sucedeu após as autoridades invadirem o celular de um dos clientes do traficante, que estava planejando viajar até a capital carioca com um amigo para comprar haxixe. Para algumas autoridades, a conduta violou a inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal e a constatação de 2018 do STJ. 

O caso

Em agosto de 2017, Vitor e Felipe saíram de Cachoeira Paulista (SP) rumo ao Rio de Janeiro, quando foram parados pela Polícia Rodoviária Federal (PRF). Os agentes revistaram o veículo, e os dois jovens, à procura de drogas, mas não encontraram substâncias ilegais. Ainda assim, os dois foram levados para um galpão na Pavuna. 

No local, a dupla afirmou ter sofrido violência física e psíquica. Segundo eles, os policiais obrigaram os meninos a se despirem e fazerem agachamentos. Felipe disse que apanhou e chegou a ter uma arma apontada para sua cabeça. No fim, os dois confessaram que estavam indo se encontrar com um homem chamado Mateus, que iria vender uma quantidade de haxixe. 

No entanto, os policiais relataram que a dupla iria comprar a droga do sujeito, e pagariam R$ 2 mil por 50 gramas de haxixe. Os jovens negaram ter conhecimento de que o conhecido fosse traficante, então as autoridades forçaram Felipe a expor o conteúdo de seu celular, que recusou. O menino alegou haver fotos íntimas de sua namorada, mas os policiais tiraram o aparelho de suas mãos e desbloquearam usando sua impressão digital. 

Após entrar no WhatsApp do suspeito sem seu consentimento, os agentes trocaram mensagens com Mateus se passando por Felipe e marcaram um encontro na praia de Copacabana. No entanto, em vez de efetuar a prisão assim que a droga foi entregue, os policiais seguiram o traficante até a sua residência. Lá, encontraram 223 gramas de haxixe e maconha, além de moedor de erva, caixas de seda, unidades de embalagem de borracha, isqueiro, rolo de filme plástico, cachimbos e duas balanças de precisão. Segundo Mateus, era tudo para consumo próprio. 

O rapaz foi preso em flagrante e, mais tarde, teve sua prisão convertida em preventiva. A Justiça do Rio condenou ele a um ano e oito meses por tráfico privilegiado (situação em que pessoas enquadradas por tráfico de drogas são submetidas por serem réus primários).

Consequências

Houve discordâncias entre as partes envolvidas no processo. O relator, juiz Sidney Rosa votou a favor da ampliação da pena. Porém, tanto o desembargador Joaquim Domingo de Almeida Neto, quanto um terceiro juiz, votaram pela anulação das provas, o que resultou na absorção do carioca. Segundo Almeida Neto, a prisão só foi concretizada por conta das ações ilegais das autoridades de acessar o WhatsApp do suspeito. 
 
“A apreensão de drogas se deu tão somente em razão do acesso indevido às mensagens no aparelho celular, que provocou a ida dos policiais à residência do réu, não havendo contra ele, até então, qualquer investigação, tampouco mandado de busca e apreensão que justificasse a busca realizada em sua residência”, afirmou o desembargador. 
 
Para o magistrado, a conduta dos agentes em questão violou o inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal, que diz ser “inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial”. Além disso, em fevereiro de 2018, o STJ constatou que a obtenção de provas através de conversas sem a devida ordem seria considerada ilícita. 
Para o advogado de Mateus, Rafael Borges Caetano, a situação em que seu cliente foi submetido não é incomum. “Essa situação acontece aos montes. O difícil não é provar (o acesso ilegal ao WhatsApp), mas, sim, fazer a Justiça reconhecer que essa ilegalidade contamina a ação condenatória”, disse. 

Henrique Rocha, advogado especialista em direito digital, confirmou que casos como este deveriam resultar em absolvição, como ocorreu. “Ninguém é obrigado a conceder acesso ao aparelho ou ao WhatsApp, seja em uma batida policial ou em uma averiguação. Quando se trata da inviolabilidade de sigilo das comunicações, pode parecer uma frivolidade, algo banal, mas a própria Constituição Federal garante a tutela desses direitos”, comunicou o especialista. 

* A matéria preservou o nome dos jovens envolvidos, seguindo o exemplo do portal Uol. 
Via: UOL