Na manhã desta terça-feira, 1, a Polícia Federal brasileira prendeu Diego Dzoran, vice-presidente do Facebook para a América Latina, em sua casa em São Paulo. De acordo com as autoridades, o pedido de prisão foi feito por um juiz de Sergipe após o descumprimento de uma ordem judicial.
A situação é semelhante àquela que levou a Justiça brasileira a determinar o bloqueio do aplicativo WhatsApp, pertencente ao Facebook, em dezembro do ano passado em todo o território brasileiro. O executivo foi detido por não acatar uma ordem judicial que determinava a liberação de dados sigilosos de um usuário do aplicativo em uma investigação ligada ao crime organizado e tráfico de drogas, assim como no caso do WhatsApp em 2015.
O Facebook classificou a prisão desta sexta como uma “medida extrema e desproporcional” – os mesmos adjetivos usados na ocasião do bloqueio do app de mensagens em dezembro. Com duas ações semelhantes em um intervalo menor que o de quatro meses, há quem acredite que a Justiça brasileira tem algum tipo de “perseguição” à rede social. Mas casos como esse não são novidade no Brasil.
Em setembro de 2012, o então presidente da divisão nacional do Google, Fábio Coelho, teve prisão decretada pelo Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso do Sul. A acusação foi de que a empresa descumpriu uma ordem anterior para retirar um vídeo do YouTube, envolvido em um outro processo sobre difamação.
Para Adriano Mendes, advogado especialista em Direito Digital, casos desse tipo se repetem por conta da falta de compreensão, por parte do sistema judiciário, sobre como funcionam as empresas de tecnologia. “Aqui, ao invés de entendermos a tecnologia, preferimos punir quem a desenvolve ou represente ao invés de buscar provas e concentrar os esforços contra as pessoas que realmente cometeram crimes”, diz.
De quem é a culpa?
Por outro lado, embora o Facebook classifique a medida como “desproporcional”, a ordem de prisão emitida contra Diego Dzoran foi o recurso encontrado pelo juiz do caso para fazer com que uma ordem seja cumprida. Como explica a advogada Gisele Arantes, “uma empresa não pode dizer ‘não estou a fim de cumprir essa ordem’, rasgá-la, jogá-la fora e está tudo bem. O Poder Judiciário precisa se posicionar para obrigá-la a obedecer”.
A Justiça precisa fazer com que a legislação seja acatada, mas empresas estrangeiras como o Facebook, mesmo com base de operações instalada no Brasil, têm dificuldade para aceitar alguns desses tratados. No caso do Facebook, todos os dados que circulam por seus aplicativos são armazenados em servidores fora do país, deixando a rede social dividida entre obedecer uma ou outra constituição.
Adriano Mendes, sócio fundador do escritório Assis e Mendes e também especialista em questões jurídicas envolvendo a internet, compara a situação do Facebook com um cenário hipotético. “Imagina que você tem uma empresa no Brasil e recebe uma ordem do governo da Zâmbia para demitir um funcionário. E se não cumprir, tem que pagar uma multa em moeda zambiana”, diz. “O Brasil quer impor sua legislação para empresas que não estão sediadas aqui.”
No caso da ordem de prisão contra Diego Dzoran, porém, informações do portal UOL indicam que o executivo foi procurado três vezes pela Justiça nos últimos meses para prestar esclarecimentos. “Ao não responder aos pedidos, o juiz estipulou multa diária de R$ 50 mil, que não foi cumprida por mais 30 dias. Depois essa multa aumentou para R$ 1 milhão por dia”, disse Mônica Horta, chefe de comunicação da PF de Sergipe.
Sendo assim, a ordem de prisão foi mesmo o último recurso encontrado pela Justiça para fazer valer sua soberania. Mônica disse ainda que ordens semelhantes, exigindo dados sigilosos de usuários envolvidos em investigações criminais, já foram emitidas contra empresas de e-mails, por exemplo, e que estas respeitaram a ordem – ao contrário do Facebook.
Para complicar ainda mais essa história, o Marco Civil da Internet – lei sancionada em 2014 que define direitos e deveres para provedores e usuários da rede mundial de computadores no Brasil – não deixa claro se as empresas que oferecem serviços digitais por aqui são obrigadas ou não a armazenar esses dados. O Facebook pode simplesmente argumentar que não possui as informações exigidas pela Justiça, e que por isso não pode cooperar.
Como resolver o impasse
Atualmente, o Brasil é signatário de acordos internacionais que garantem o cumprimento de ordens judiciais daqui mesmo que os efeitos sejam sentidos em território estrangeiro. No entanto, para que uma determinação como essa seja devidamente atendida, um longo e burocrático processo precisa ser iniciado, o que acaba por atrasar a resolução das investigações.
“A questão envolve um novo cenário. As pessoas dependem das aplicações que, por sua vez, armazenam dados de toda natureza, inclusive os detalhes para as investigações criminais. É o cenário de colaboração mútua, entre autoridades, empresas e sociedade. Enquanto a legislação não evolui, tribunais procuram encontrar meios legais para a busca de dados que comprovem eventuais crimes”, comenta Renato Opice Blum, sócio do escritório Opice Blum, Bruno, Abrusio e Vainzof Advogados.
Para Adriano Mendes, porém, a solução para casos como esse se encontra na Europa, na chamada Convenção de Budapeste. Em 2001, um conselho formado por diversos países definiu um “padrão” sobre como se comportar em casos de crimes virtuais. Os signatários obedecem a um mesmo conjunto de normas que facilita essas relações entre governos diferentes em ações que ultrapassam fronteiras políticas.
O Brasil foi convidado a fazer parte da Convenção de Budapeste, mas optou por não assinar e elaborar seu próprio tratado particular: o Marco Civil. Embora seja elogiada por outros países, a iniciativa não entra em acordo com governos estrangeiros sobre como tratar esses crimes “multinacionais”, de modo que prisões como a desta sexta podem se repetir a qualquer momento.
“Considerando que tal medida será revogada nas próximas horas, além do abalo à imagem do nosso judiciário e descrédito do Brasil no ambiente internacional, a prisão dos dirigentes de empresas por questões ligadas à tecnologia mostra como estamos atrasados em relação ao resto do mundo”, opina Mendes.