Um grupo de pesquisadores da Austrália encontrou um paradoxo na mecânica quântica que questiona a concepção da realidade no campo da física. Publicado em agosto na revista Nature Physics, o estudo empregou dilemas da teoria quântica para testar a validade de três premissas fundamentais de ‘senso comum’:
- Quando alguém observa um evento acontecendo, ele realmente aconteceu;
- É possível fazer escolhas livres, ou pelo menos, escolhas estatisticamente aleatórias;
- Uma escolha feita em um lugar não pode afetar instantaneamente um evento distante.
Segundo os cientistas, os experimentos relatados na pesquisa indicam que todas essas sentenças não podem ser consideradas completamente verdadeiras. Do contrário, seria necessário rever conceitos da mecânica quântica. Para provar suas hipóteses, os pesquisadores revisitaram um dos principais dilemas da teoria quântica: o problema da medição.
A questão
No início do século XX, Niels Bohr formulou a hipótese de que as propriedades físicas de uma partícula, como a posição ou a velocidade dela, não existem de fato até sejam medidas. Isso acontece porque as partículas estão em superposição, ou seja, elas podem assumir estados distintos ao mesmo tempo.
Quando um observador tenta medir a posição, no entanto, ele será apresentado a uma forma definitiva, que corresponde à forma “real” da partícula. O teórico defende que algumas propriedades não podem ser perfeitamente mensuradas de forma simultânea, isto é, elas não podem ser reais ao mesmo tempo.
Os cientistas de institutos australianos, no entanto, remetem às contribuições de outro pesquisador, chamado Eugene Winger. Ele criou um experimento teórico, no qual se admite que uma pessoa entra em um laboratório fechado para medir uma propriedade de uma partícula quântica.
Ao aplicar equações para analisar o cenário como um observador de fora, no entanto, Winger apontou que, em vez dessa medição tornar a partícula real, o processo fez com que a pessoa fosse ‘emaranhada’ com a partícula. Neste estado, quando a propriedade de uma parte é mensurada, o resultado será aleatório, mas haverá uma correlação com o resultado da outra parte.
Em outras palavras, um observador que mede a posição de uma partícula poderia prever o resultado da medição de outra partícula distante. Esse princípio é um dos fundamentos da comunicação quântica. Wigner, no entanto, considerou sua própria conclusão absurda. Ele acreditava que, uma vez que a consciência de um observador se envolve no processo, o emaranhado “colapsaria” para tornar a observação definitiva.
Experimento
O novo estudo é uma extensão do experimento de Wigner. Os cientistas imaginaram um cenário em que duas pessoas identificadas como Charlie e Debbie realizam medições de um par de partículas já emaranhadas em dois laboratórios distantes. O primeiro cientista é observado de fora do laboratório por Alice; enquanto o segundo é observado por Bob.
O conceito de emaranhamento quântico é um fundamental no funcionamento de satélites de criptografia quântica, como a sonda Micius, pertencente à China. Imagem: Reprodução
Os pesquisadores destacam que as partículas já se encontram emaranhada. Em teoria, ao aplicar equações da mecânica quântica ao experimento, Charlie e Debbie deveriam ser emaranhados um ao outro. O experimento ainda admite que Alice e Bob podem desempenhar ações a partir dos resultados de um jogo de cara ou coroa.
Se o resultado for cara, eles abrem a porta e perguntam aos seus colegas o que eles observaram. Se der coroa, os observadores fazem uma medição diferente. O estudo assume que, em qualquer hipótese, o registro das observações efetuadas no interior do laboratório não pode chegar ao mundo externo. Ou seja, Charlie ou Debbie não se lembrarão de ter visto nada sobre as partículas.
A partir dessas condições, os cientistas testaram as premissas iniciais. Caso as três ideias fossem totalmente verdadeiras, Charlie e Debbie teriam presenciado um resultado real e único, independentemente de Alice ou Bob terem, ou não, aberto a porta. Além disso, as condições de Alice e Charlie não seriam associadas aos eventos envolvendo a outra dupla.
Os experimentos mostraram que se este fosse o caso, haveria limites para as correlações que Alice e Bob poderiam esperar ver entre seus resultados.
Por outro lado, a mecânica quântica prevê que os dois deveriam encontrar correlações para além desses limites. Os pesquisadores fizeram experiência para confirmar os resultados usando pares de fótons emaranhados. O papel da mensuração dos cientistas dentro do laboratório (Charlie e Debbie) foi representado pelos caminhos que as partículas podem tomar na configuração dependendo de uma propriedade chamada ‘polarização’.
Paradoxo
De acordo com pesquisadores, ainda é necessário verificar se os mesmos resultados seriam obtidos com observadores mais complexos. Eles pontuam que um dia poderá ser possível criar uma demonstração mais conclusiva em experimentos nos quais os papéis de ‘Charlie e Debbie’ sejam desempenhados por uma inteligência artificial de nível humano rodando em um computador quântico maciço.
Os cientistas ainda destacam que as correlações encontrados no estudo não podem ser explicadas apenas pela teoria de Bohr, de que as propriedades físicas não existem até sejam medidas. No entanto, as contribuições das pesquisas podem incentivar que físicos encarem o problema da medição.
“Ou nosso experimento não avança e a mecânica quântica dá lugar à chamada “teoria do colapso objetivo”, ou uma de nossas três suposições deve ser rejeitada”, afirmam os estudiosos, em comunicado publicado no LiveScience.
Via: LiveScience