“A propaganda é para uma democracia o que
o espancamento é para um estado totalitário”.
Noam Chomsky (Filósofo e historiador norte-americano, 1928-)
Estamos cada vez mais conectados, um processo irreversível. O espaço virtual é este “lugar” onde, por meio de interações mediadas por artefatos tecnológicos, discutimos arte, cultura, os altos e baixos de nosso cotidiano e claro, política. Mas a internet idealizada por Tim Berners-Lee, Vinton Cerf, Robert Kahn e Ted Nelson, aberta, descentralizada, horizontal, ágora pública virtual democrática está cada vez mais distante.
A internet de hoje é na verdade uma estrutura sob o domínio de titãs da tecnologia, centrada em estruturas chamadas mídias sociais, pouco transparentes em seus mecanismos de controle de conteúdo e cada vez menos democráticas. Algo que parece escapar dos sociólogos e tecnólogos que jogam confete sobre as mídias sociais, propagando a ideia que estas representam a nova democracia, ou como preferem a “democracia participativa”, é o fato de que [1.] O modelo de negócios bilionário que as sustenta baseado em publicidade dirigida não nos vê como cidadãos, mas sim consumidores, a partir do qual somos classificados, ou no termo mais chique “segmentados”, para gerar receita cada vez maior aos seus investidores e anunciantes. As atividades políticas nas mídias sociais seguem o mesmo modelo mercantilista, com forte foco em volume de “curtidas” e produção massiva de propaganda, a qual pode ser até mesmo mentirosa (voltarei mais tarde neste tema). Na campanha presidencial norte-americana de 2016 por exemplo, os partidos republicano e democrático gastaram US$ 1 bilhão de dólares em mídias sociais, um crescimento de 20% em relação as campanhas de 2012. Mas a guerra virtual da propaganda política norte-americana mostrou-se ainda mais absurda quando ficamos sabendo que no Facebook 146 milhões de norte-americanos foram impactados por campanhas criadas por agentes russos. A brecha permitiu a ação deliberada de um país ou uma organização externa apoiar um candidato de sua preferência, favorecendo uma agenda política e econômica desconhecida dos cidadãos. Para fortalecer a transparência, cidadãos precisam poder identificar a origem e autores das campanhas políticas que estão vendo, mas isto não é possível.
[2.] As mídias sociais, que na superfície se apresentam como lugares para livre expressão de emoções e pontos de vista, sem preconceito, censura ou qualquer outro tipo de limitação, são na prática coletivos de algoritmos que monitoram e capturam cada palavra, cada bit de informação que publicamos, num assalto a nossa privacidade sem precedentes na história da humanidade. Com isso em mãos, os proprietários das mídias sociais podem, a qualquer tempo, bloquear usuários que, de acordo com seus termos de serviço, estão agindo de forma indevida. Nessa direção, está cada vez mais comum observarmos o bloqueio, suspensão ou redução de visibilidade de posts. A sensação é que temos liberdade para escrevermos, mas estamos subordinados a critérios opacos e regras algorítmicas que desconhecemos e nossa “aparente liberdade” pode desaparecer a qualquer momento. O mecanismo de bloqueio pode inclusive, ser utilizado por qualquer um de nós contra desafetos nas mídias sociais, mas quando um político ou partido bloqueia um cidadão não estaria assim retirando-lhe um direito fundamental de liberdade de expressão?
[3.] Hoje, publicidade em mídias sociais representa uma considerável parte do orçamento de qualquer campanha política. Além disso, com o crescimento das fake news ou notícias falsas nas redes sociais, criação de perfis – cabos eleitorais – falsos, memes e da automação por bots para alavancar publicações ou depreciar adversários políticos. A política nas redes vai assim se tornando cada vez mais artificial, uma fabricação de programadores e criadores de código fonte. Olhando por uma perspectiva ainda mais negativa, transformar cidadãos em radicais, promovendo a formação de nichos fechados dentro das redes, refratários ao que lhes é diferente, ao debate das ideias. Nesse sentido, as mídias sociais estão mais próximas de um vale-tudo, terra arrasada, onde os fins para influenciar os usuários justificam os meios para vencer uma eleição. Não podemos nos esquecer que verdade e confiança em nossos líderes políticos e governos são pilares de qualquer regime democrático.
Conclusão
Não se pode tirar o mérito das mídias sociais na construção de uma sociedade conectada, no fluir da informação digital produzida por bilhões de pessoas ao redor do planeta, na abertura de espaço para diversidade e minorias. Historicamente, Facebook e Twitter por exemplo foram apropriados por cidadãos para protestar contra regimes opressores e difundir ideais democráticos. Mas há uma fragilidade estrutural nas mídias sociais que precisa ser resolvida para que estas possam suportar as diferentes demandas de um espaço público virtual democrático. Podemos inclusive imaginar que bots venham a brigar pelo direito de voto nas urnas digitais do futuro. Afinal, o espaço é virtual pra nós, mas natural pra eles, bots eleitores.
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Referências
CASTELLS, M. (2013). Redes de Indignação e Esperança. Zahar Editora, Rio de Janeiro.
DUVAL, J. (2010). Next Generation Democracy. Tim O’Really. Bloombury USA, New York.
BARLETT, J. (2015) Viral memes are ruining our politics. Share if you agree. The Telegraph.
FLORIDI, L. (2014). The 4th Revolution – How the Infosphere is reshaping Human Reality. Oxford University Press. Oxford, United Kingdom.
GERBAUDO, P. (2012). Tweets and the Streets – Social Media and Contemporary Activism. Pluto Press. New York.
PARKINSON, J. R. (2012). Democracy and Public Space The Physical Sites of Democratic Performance. Oxford University Press.