O que um Xbox sem leitor de discos significa para o futuro dos videogames?

As mídias físicas estão caminhando, no mínimo, para uma perda progressiva de importância
Renato Santino17/04/2019 06h16, atualizada em 17/04/2019 12h00

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Após meses de especulações, a Microsoft mostrou ao mundo o Xbox One S All-Digital Edition. O que esse nome gigante quer dizer é que o novo console não vem com uma entrada de Blu-Ray, o que significa que ele só suporta jogos baixados digitalmente, sem a possibilidade de instalá-los no HD por mídia física. O anúncio também sinaliza uma tendência curiosa no mercado.

Não entenda errado: o Xbox One S All-Digital Edition (vamos chamá-lo de “SADE” a partir de agora por uma questão de brevidade) não será a única versão do Xbox à venda, e a Microsoft pretende continuar vendendo as versões com entrada para Blu-Ray pelo menos até segunda ordem, oferecendo a nova variação como uma opção mais acessível.

Estamos falando, portanto, de um teste. Sim, a Microsoft quer saber se o público se interessa por um console sem entrada para discos e quanto a menos ela precisa cobrar para que a ideia seja aceitável. Atualmente, a diferença entre o preço sugerido do Xbox One S comum e do Xbox One SADE é de US$ 50.

O que esse teste revela, no entanto, é que a Microsoft acredita que, sim, existe espaço para um produto deste tipo no mercado. E a companhia certamente deve ter ao seu lado dados que banquem essa aposta, mostrando que a transição para a mídia digital está se acelerando por parte dos próprios consumidores, que estão enxergando a conveniência do formato.

Não é muito difícil ver os sinais. Recentemente, a GameStop maior rede de lojas de videogames dos Estados Unidos conhecida também pelo seu sistema de compra e revenda de jogos usados, anunciou resultados preocupantes, com um prejuízo de US$ 187,7 milhões nos primeiros três meses de 2019. Um dos fatores que mais colaborou para o resultado ruim foi justamente a queda nas vendas dos jogos usados.

É possível atribuir os problemas da GameStop a muitos fatores, entre eles a incapacidade de competir com o comércio online, em especial com a Amazon. No entanto, a queda na venda de jogos usados é significativa: as pessoas não estão mais comprando games de segunda mão, que são mais baratos, porque a mídia física não é mais uma prioridade.

O curioso é que muitos devem se lembrar do desastre que foi o anúncio do Xbox One em 2013. Na ocasião, a Microsoft se enrolou toda para explicar os requisitos de conectividade do console, que não rodaria jogos se o usuário não se conectasse pelo menos uma vez a cada 24 horas na internet. A reação contra a empresa foi violenta e fez com que seus planos fossem revisados, mas no fim das contas a companhia tem colocado sua visão inicial para o console em prática aos pouquinhos, e a rejeição tem sido consideravelmente menor do que seis anos atrás.

Quando pensamos nos serviços que a Microsoft tem prometido, o leitor de Blu-Ray faz ainda menos sentido. O Xbox Game Pass, por exemplo, tem feito sucesso oferecendo jogos apenas digitalmente por meio de uma assinatura. A empresa também já fala abertamente sobre o projeto xCloud, que será uma plataforma de jogos por streaming aos moldes do Stadia, revelado em março pelo Google. Nada disso envolve um leitor de discos físicos.

Futuro forçado

Claro que a mídia digital como único método de distribuição ainda pode ser um problema para muitos, no entanto. Nem todas as regiões do mundo têm acesso a uma conexão decente para baixar jogos que muitas vezes ultrapassam 100 GB, o que pode fazer com que o download de um único jogo às vezes leve semanas. No entanto, a própria indústria não tem levado a mídia física muito a sério. Afinal de contas, quantas vezes vemos empresas lançando jogos em disco incompletos e que dependem de atualizações gigantescas disponíveis logo no dia do lançamento para funcionar? Para ficar no mundo do Xbox, temos exemplos de jogos como “Halo 5” e “Gears of War 4” que foram lançados em um Blu-Ray de 50 GB, mas que já ocupam mais de 100 GB de armazenamento no console após várias atualizações. Ou seja: quem comprar o disco hoje vai ter um download gigantesco pela frente assim que inseri-lo no console.

A realidade é que o disco hoje em dia é só um validador de autenticidade de um jogo. Em muitos casos, ele sequer carrega mais o jogo completo, e as empresas apostam nas atualizações para corrigir bugs que às vezes são gravíssimos, de modo que quem evita esses updates está sujeito a uma experiência de jogo toda quebrada.

Assim, fica claro que o caminho para o sucesso em uma aposta como essas é convencer o consumidor pelo bolso. A mídia digital já está aí, se tornando cada vez mais popular e acessível, enquanto a mídia física é relegada ao segundo plano pelos desenvolvedores; o que falta é preço: faça o console e os jogos mais baratos, e o público seguirá a tendência. Foi o que aconteceu com o Steam no PC; a combinação de preço e conveniência fez com que hoje sequer seja possível comprar um disco de jogo para Windows, e as caixinhas vendidas em lojas hoje normalmente só possuem um código de download.

A se lamentar, no entanto, é a questão da preservação histórica dos videogames. A mídia digital, infelizmente, está sujeita à vontade da Microsoft, no caso do Xbox; se a empresa decidir por algum motivo, desabilitar seus servidores, ninguém mais vai baixar nenhum jogo. Obviamente isso não é um problema no curto prazo, mas e em 20 anos? Até hoje é possível ligar um Atari e plugar um cartucho de “River Raid”, mas você não vai mais conseguir jogar “Scott Pilgrim vs. the World: The Game”, da geração passada, ou “P.T.”, o teaser jogável para o cancelado “Silent Hills”, que tiveram sua distribuição exclusivamente digital interrompida. Que outros conteúdos poderão se perder ao longo do tempo?

Renato Santino é editor(a) no Olhar Digital

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