Assim que você inicia Final Fantasy XV, surge na tela a seguinte frase: “Um Final Fantasy para fãs e novatos”. É com essas boas-vindas que o game convida tanto os jogadores que passaram pelos mais de 20 títulos da série quanto aqueles que passaram longe da franquia nos últimos anos.
Eu me incluo nessa segunda categoria. Para ser bem sincero, até joguei Final Fantasy VI no Super Nintendo e Final Fantasy VII no primeiro PlayStation, mas nunca conclui qualquer um dos dois. Minha experiência com a franquia de RPG da Square Enix se limita a cerca de duas horas, acumuladas, com o controle nas mãos.
Também vi alguns outros jogos da série na casa de amigos, mas não posso dizer quais eram já que são tantos títulos, números, derivados e afins que é fácil se perder na cronologia de lançamentos. Na verdade, minha pouca experiência com RPGs japoneses não se limita a Final Fantasy.
Joguei pouco de Chrono Trigger, Kingdom Hearts, Dragon Quest e Tales of Vesperia, mas o suficiente para não me sentir atraído pelo gênero. Há características em games desse tipo que me interessam, sim, mas, num geral, nunca consegui me envolver totalmente com os conceitos, mecânicas e histórias desses games.
Foi com essa bagagem que decidi experimentar Final Fantasy XV, o novo título na longeva franquia da Square Enix e que passou quase 10 anos em desenvolvimento. Afinal, se o próprio game se mostra convidativo para “fãs e novatos”, achei que valia a pena dar uma chance.
Primeiras impressões
Final Fantasy XV começou bem na minha experiência. O design dos menus e a trilha sonora, épica e grandiloquente como eu imaginava, desperta uma certa nostalgia, uma sensação de estar ligando um clássico do Super Nintendo novamente. Me senti diante de um jogo de videogame de verdade, e não um filme interativo como tantos estúdios fazem hoje em dia.
Logo o game me sugeriu que eu jogasse um tutorial antes de entrar no game propriamente dito. Foi o que fiz, mas logo me arrependi. O game tenta explicar os conceitos básicos do sistema de combate de uma maneira quase totalmente textual, sem muito estímulo à exploração, o que me deixou meio confuso.
São muitas caixas de texto esperando que eu entenda rapidamente como aquilo tudo funciona. Nada intuitivo ou envolvente, mas apenas uma série de exercícios um tanto monótonos e apressados. É no mínimo curioso que Final Fantasy XV prefira utilizar esse tipo de método de ensino quando há anos a indústria usa formas muito mais instrutivas para ensinar mecânicas básicas aos jogadores.
Lembre-se de Half-Life 2, por exemplo. O game raramente para para te dizer quais botões apertar em determinada situação. O que ele faz é te mostrar como adversários e obstáculos no mapa se comportam para que você possa pensar, sozinho, em como reagir. É possível ensinar mecânicas ao jogador introduzindo-as passo a passo dentro da história do jogo, sem a necessidade de um tutorial como esse.
Mas tudo bem, vamos ignorar essa parte. Afinal, Final Tanasy não é um jogo norte-americano e não tem a menor obrigação de seguir os mesmos princípios de game design que os jogos ocidentais. Pelo contrário. É muito bom experimentar um game que exija que nos adaptemos a uma linguagem e uma mecânica totalmente inédita. É como forçar o cérebro a aprender um novo idioma, em vez de ficarmos viciados em jogabilidades quase sempre iguais.
O jogo começa
Após aquele chato tutorial – que, reconheço, eu não deveria ter acessado – o jogo de verdade começa. E começa muito bem. A introdução à história, aos temas, personagens e narrativas é bem rápida e sem enrolação. Em poucos minutos de uma cutscene brilhantemente desenhada por computação gráfica, você já sabe onde está, quem é e o que deve fazer.
Mais do que isso, os créditos iniciais começam a subir ao som de “Stand by Me”, clássica de Ben E. King que ficou famosa na voz de John Lennon. Nesta versão, executada pela banda Florence + The Machine, o clima do game fica muito bem estabelecido: quatro amigos numa viagem pelas estradas do país, a sensação de nostalgia misturada com aventura.
A música em Final Fantasy XV (e nos outros jogos da série, pelo que me lembro) é um dos seus pontos mais altos. A trilha sonora tem uma identidade própria e muito clara, além de evocar os sentimentos que a história quer passar de forma profunda. Desse jeito, FFXV me conquistou rapidamente.
Mas logo essa paixão perdeu a intensidade. Em poucas horas de jogo, Final Fantasy XV me lembrou por que eu nunca me interessei por games desse gênero. O título tem tudo o que eu sempre gostei em RPGs japoneses, mas também tudo o que eu sempre detestei em RPGs japoneses. Em outras palavras, FFXV é o JRPG definitivo. Para o bem ou para o mal.
Prós: um game muito original
Vamos falar do que eu gostei, muito, em FFXV: trata-se de um game muito original. Como outros RPGs japoneses, o jogo traz consigo conceitos e mecânicas que não se vê em nenhum outro game no mercado. Do design dos personagens ao visual das criaturas, passando pelo complexo sistema de combate, quase tudo em FFXV parece inédito.
Um bom exemplo disso é o Regalia, o carro que os protagonistas usam para se locomover ao redor do mapa. Final Fantasy XV tem um mundo quase totalmente aberto, mas dirgir o Regalia é uma tarefa extremamente restrita, nos mais diversos sentidos.
Mesmo que você esteja no modo de direção manual, em que Noctis assume o volante e você leva sua equipe como passageira, não é possível levar o Regalia aonde você quiser. Não se pode dirigir na contramão e nem sair da pista. Tudo o que você pode fazer com o carro é acelerar, frear e virar em algumas esquinas.
Essa restrição pode decepcionar alguns jogadores, mas, por outro lado, é uma ótima ideia. A Square Enix não quer que você transforme Final Fantasy em um GTA, promovendo o caos nas cidades e atropelando animais para vê-los sofrer. O Regalia tem uma função muito específica na jogabilidade de FFXV, e não é apenas a de um meio de transporte.
Todo o game vem com esse clima de “viagem pela estrada com os amigos”, e dirigir – ou deixar que seu amigo Ignis dirija – faz parte do clima. São nesses momentos a bordo do Regalia que os personagens se envolvem e desenvolvem, e você, o jogador, pode admirar sem peso na consciência os belíssimos gráficos do cenário ao redor.
Esse tempo para a contemplação é uma característica marcante da expressão artística japonesa como um todo. Cineastas como Yasujiro Ozu, ou como outros games orientais, entendem essas diferentes mídias como interações semelhantes às das artes plásticas. Quando você vai a uma galeria, seu papel como espectador é olhar e contemplar os quadros em exposição, admirá-los e pensar a respeito deles.
Muitos momentos em Final Fantasy XV têm exatamente esse propósito: te levar a contemplar a beleza dos detalhes. Como quando o Regalia fica sem gasolina no meio da estrada e você tem a opção de empurrá-lo até o posto mais próximo. Isso leva tempo e é justamente o oposto do que outros games de ação com carros fazem. Você nunca fica sem gasolina no GTA porque o jogo não quer que você pare de correr; FFXV quer.
O mesmo vale para o sistema de dia e noite. Quando o sol se põe, o game começa a impedir, de diferentes formas, que você continue jogando. Ele te estimula a procurar um lugar para dormir, comer, repor as energias e subir de nível, além de dar uma olhada nas fotos tiradas por Prompto ao longo do dia.
Essa é outra particularidade de FFXV que destaca o caráter contemplativo do jogo. Na maioria dos games, seu personagem não sente sono ou fome, não precisa parar para dormir e só come quando está sem energia vital. No novo Final Fantasy, esses hábitos fazem parte da mecânica e servem para diminuir um pouco o ritmo frenético das missões, cadenciando a velocidade da ação.
O mesmo vale para quando você precisa parar no meio da estrada e montar um acampamento, onde Ignis decide cozinhar e, dependo do prato escolhido, seus parceiros recebem habilidades específicas ou ganham mais XP. Tudo isso é muito difrente do que o que estamos acostumaos a ver, e faz de FFXV um game único no mercado.
Contras: um game exagerado
Se por um lado FFXV tem esses belíssimos momentos de contemplação, além de suas mecânicas originais, falta ao jogo algo de mais tradicional: a dramaticidade. Um pouco de ordem, talvez. Como outros JRPGs, o novo Final Fantasy é uma bagunça em termos de história e, principalmente, no seu sistema de combate – o principal aspecto do seu design.
Comecemos pelo roteiro. É difícil entender quem é quem em Final Fantasy XV. Os nomes dos personagens são tão irreais quanto seus figurinos e cortes de cabelo. A política daquele mundo é difícil de entender e, mesmo quando você entende, pouca coisa ali faz sentido. Falta um toque de realismo à história para que seja possível se relacionar com ela.
Eu não consegui me identificar com a angústia de Noctis em sua jornada porque não tive tempo de entender a relação entre ele, o pai, Luna e seu fardo como novo regente de Lucis. Mais indecifrável ainda é a organização social de todas aquelas cidades por onde passamos ao longo do jogo.
Pense, por um instante, em como The Witcher 3: Wild Hunt, outro RPG de sucesso lançado nos últimos anos, organiza todas as cidades, reinos e classes sociais de modo que fica claro como aquela sociedade funciona. Você entende a politicagem por trás das disputas por poder, a relação do povo pobre com os guardas reais, o mercado informal dos caçadores de bruxas e tudo o mais.
The Witcher 3 é claro nessa abordagem porque ele tem um toque de realismo que falta a RPGs japoneses em geral. É claro que tudo ali é mentira, é claro que não existem monstros, magias, feitiços e nem armas encantadas no mundo real. Mas existe política, existem triângulos amorosos, existem relações familiares e existe desigualdade social.
São essas pequenas amarras com a realidade que tornam um jogo (ou filme, série, livro, pintura, história em quadrinhos…) um pouco mais palatável. Fica mais fácil se relacionar com aquele mundo de ficção, com aquela história e se importar com aqueles personagens quando você consegue ver naquilo um paralelo com a vida real. Em FFXV, isso é muito difícil.
As relações entre os personagens parecem superficiais, fabricadas, engessadas de alguma forma. Já a estética do game parece não seguir uma ordem clara: espadas gigantes não têm peso algum, pessoas vivem no deserto com a mesma roupa da cidade grande, os carros por toda parte são os mesmos, as side-quests são repetitivas e sem profundidade e é difícil encontrar uma unidade entre a estética e a linguagem do game.
Esse mesmo caos se repete no sistema de combate. A câmera não acompanha os movimentos dos personagens, enquanto as informações que surgem na tela são complexas e mal organizadas. Mais de 12 horas após o início do jogo, ainda não sei se aprendi como os combates funcionam exatamente, mas estou fazendo o que eu acho que sei e, até agora, tem dado certo – é isso o que importa.
E assim como outros JRPGs, Final Fantasy XV é estupidamente machista. A primeira personagem feminina a aparecer no jogo é uma mecânica de salto alto e roupas mínimas, num mundo onde homens usam sobretudo e não parecem sentir tanto calor assim. Das outras duas garotas que surgem logo no começo, uma é a “donzela em perigo oficial”, enquanto a outra só está ali para cair de paixões pelo protagonista. Em pleno 2016, é difícil acreditar que a Square Enix faça um jogo tão exclusivamente destinado a homens dessa maneira.
Mas é até compreensível que a Square Enix tenha feito esse Final Fantasy desse jeito porque, assim como gosta de provocar a contemplação, também quer nos lembrar o tempo todo de que isso não é um filme e nem um livro, mas um videogame. Por isso, não está preso às mesmas regras narrativas – ignorando a parte do machismo, porque esse é indefensável. De qualquer maneira, é difícil sentir vontade de jogar FFXV quando a trama não te envolve como a de outros jogos.
Conclusão
A minha experiência com FFXV, até agora, tem sido um exercício de paciência: aceitar seus defeitos, porque, afinal, ele é assim mesmo. Você aceita que o roteiro tem um ritmo diferente porque é assim que ele quer ser, aceita que o combate é confuso porque esse é o objetivo, e, no fim, você vai se acostumando a essas características, por amor ou ódio.
Final Fantasy XV é um jogo cheio de personalidade e com uma identidade muito particular. Ele recebe novos jogadores de braços abertos, mas deixa claro: “eu sou assim, goste de mim como eu sou ou me deixe”. O game claramente não abandona suas raízes, mas também não exclui por completo os novatos, o que me deixou, de um modo geral, satisfeito.
Se você é como eu e também nunca se interessou pelo gênero ou pela franquia, é possível que esteja aqui para saber: posso jogar Final Fantasy XV mesmo nunca tendo jogado um título da série? Minha resposta mais curta é: sim. Mesmo que partes de FFXV tenham me deixado frustrado, seria irresponsável da minha parte não recomendá-lo. Final Fantasy XV é uma obra de arte que merece ser apreciada por qualquer pessoa com o mínimo interesse em games. Independentemente da sua bagagem.