Somos tão dependentes de plataformas digitais em nosso dia a dia, como as da Apple, Google, Microsoft, Facebook, etc, que raramente paramos para pensar no que aconteceria se subitamente perdêssemos o acesso aos serviços que mais usamos. Luke Kurtis, um poeta e ensaísta norte-americano, relata como foi encarar essa dura realidade quando a Apple revogou seu Apple ID.
Kurtis é um típico usuário do ‘ecossistema’ da Apple: tem vários aparelhos produzidos pela empresa e usa serviços como a iTunes Store para comprar filmes, música e apps. Para controlar seus gastos, ele abastece sua conta no iTunes com Gift Cards que compra regularmente, em vez de atrelá-la a um cartão de crédito. Tudo começou, segundo ele, há alguns meses, quando ele comprou um Gift Card em uma promoção no site MassGenie e o adicionou à sua conta.
Uma semana depois, Kurtis não conseguia mais se logar no iTunes. A mensagem de erro dizia que ‘sua conta foi bloqueada’, então ele recorreu ao suporte técnico da Apple. O técnico que o atendeu escalou imediatamente o caso para uma supervisora, que informou que a conta havia sido bloqueada porque um Gift Card roubado havia sido usado. Aparentemente um carregamento de cartões foi roubado antes de ser entregue às lojas, e a Apple desativou os códigos, bem como as contas que tentaram usá-los. Mas de alguma forma alguns destes cartões foram parar na loja online da MassGenie, e nas mãos de consumidores como Kurtis.
Entretando, ela assegurou que olhando o histórico da conta, ficava claro que Kurtis tinha sido a vítima, e não o criminoso, e que iria escalar o caso para a equipe de segurança da Apple, que deveria restaurar a conta em 24 horas. O que não aconteceu.
Sem notícias, ele entrou em contato novamente com o suporte da Apple e foi atendido por um novo supervisor, que lhe informou: ‘sua conta foi desativada permanentemente. Não há mais o que você possa fazer. Não há forma de escalar este caso’.
Ou seja, é como se a conta de Kurtis tivesse sido varrida da face da Terra. Sem seu Apple ID, ele não poderia mais acessar a biblioteca de músicas que acumulou nos últimos 15 anos. Não podia mais atualizar os apps de seu iPhone, nem comprar apps novos para seu Mac. Nem usar seu HomePod para tocar músicas de sua coleção, sua Apple TV para assistir a filmes e shows que comprou, o iMessage para se comunicar com seus contatos ou o iCloud para recuperar arquivos armazenados na nuvem.
A história tem um final feliz: depois de muita persistência e de recorrer a mais dois supervisores, que não conseguiram reverter o banimento, o poeta recorreu a contatos internos na Apple e enviou um e-mail a Tim Cook, CEO da empresa. Não teve uma resposta direta, mas logo em seguida sua conta voltou à vida.
Ainda assim, no total Kurtis ficou dois meses trancado do lado de fora do ‘jardim’ da Apple, o que lhe deu uma nova visão sobre o mundo digital que nos cerca: ‘Passei uma boa parte dos últimos dois meses em uma espécie de luto, lamentando não só a perda de uma coleção de mídia que passei a última década e meia construindo, mas também o acesso a todos os produtos que tenho, que não mais funcionavam como deveriam. A empresa para quem eu dei tanto dinheiro ao longo de anos revogou meu acesso a tudo com o apertar de um botão’.
Você pode dizer ‘bem feito por usar a Apple!’, mas a mesma coisa poderia acontecer, com maior ou menor grau de dano, a um usuário do Google, da Microsoft, da Sony ou da Nintendo.
Um jogador banido da PlayStation Network perderia acesso aos jogos que comprou digitalmente, mas um usuário Google, sem sua conta no GMail, perderia acesso aos seus e-mails, arquivos no Google Drive, rotas e mapas do Maps, informações de saúde armazenadas no Health, playlists do YouTube, compromissos na Agenda, anotações no Keep, favoritos e senhas armazenados no Chrome, e por aí vai.
Em seu relato, Kurtis convida o leitor à reflexão: ‘será que pensamos o bastante sobre os direitos que nós, consumidores, temos quando batemos os olhos naqueles documentos enormes, cheio de ‘termos e condições’ que temos que aceitar para ter acesso aos gadgets e produtos que compramos todos os dias? O quando estamos realmente comprando, e o quanto estamos na verdade “alugando por um tempo”? O valor do hardware não é mais definido pelo hardware em si, mas pelos serviços do qual o hardware depende, que podem ser interrompidos a qualquer momento’.
Fonte: Quartz