“Legalize já”. A principal palavra de ordem de quem deseja ver a maconha legalizada se tornou frequente em grupos do Facebook onde usuários postam, sem qualquer resquício de medo, fotos fumando e exaltando a erva proibida no Brasil.
E não haveria mesmo motivos para temer. Se nas ruas, estádios de futebol, praias e parques de todo o país o consumo da droga se faz presente em círculos de amigos, dificilmente algum internauta não se sentiria protegido pelos mecanismos de segurança da rede social. Isso, ao menos, na concepção de alguns dos entrevistados desta reportagem.
A maioria dos grupos que reúne entusiastas do assunto está classificada na rede social como “Fechado”. Ou seja, é necessário que um membro autorize a entrada dos ingressantes para que estes possam visualizar o conteúdo publicado na página. Apesar de parecer restritivo, não é difícil adentrar aos grupos. Minha entrada, por exemplo, foi autorizada em poucos minutos.
Com 28 mil participantes, uma dessas comunidades conta com regras específicas e que devem ser seguidas à risca. As normas são simples: não postar fotos sem o “beck” e não publicar imagens de armas ou de (outras) drogas.
À primeira vista, o que pode ser encontrado são jovens na faixa dos 18 aos 25 anos “armados” somente com seus baseados em fotos publicadas na rede social. Há de tudo nesses grupos: desde os que ostentam com grandes quantidades da droga, aos que procuram parceiros para “dividirem um trago” e até quem busque um relacionamento mais forte, como uma internauta que postou “procuro um maconheiro para chamar de meu”.
“Fumo maconha há cinco anos”, diz para mim uma das integrantes que publicou uma imagem segurando um “beck”. “Todo mundo sabe que eu fumo, minha família, meus amigos…”. Questiono se ela sente algum receio de ser repreendida por autoridades ou algo do tipo. “Fumar maconha não é crime no Brasil. Eu não vejo problema em estar segurando um cigarro de maconha”, diz.
A universitária de 21 anos revela ainda que a publicação das imagens serve para compartilhar seus momentos fumando com outras pessoas que também fumam. Mesmo após dizer que não teme que as imagens que envia no grupo sejam compartilhadas na rede, ela solicitou que sua foto não fosse publicada nesta reportagem.
Apesar da jovem se mostrar segura, as postagens poderão ser consideradas criminosas. No entanto, a lei brasileira é confusa quanto ao assunto, conforme explica o advogado criminalista Rafael Faria.
Segundo ele, é possível enquadrar a ação no artigo 33 da Lei 11.343/2006, a chamada “Lei das Drogas”, que diz que crime é “induzir” a pessoa ao uso indevido de entorpecente. No entanto, o profissional também explica que existe uma corrente no Supremo Tribunal Federal que recentemente começou a julgar se o uso de drogas pode ser criminalizado ou se isso seria constitucional ou não.
Perguntado sobre sua opinião pessoal no assunto, ele foi claro: “Entendo que postar fotos fumando maconha é exercício da liberdade de expressão e de pensamento e, logo, não pode ser crime. Não é o mesmo que oferecer a droga para uma pessoa, induzindo-a a usá-la”, opina.
Já na visão da advogada especialista em direito digital Cristina Sleiman, é difícil separar quem fuma de quem porta a droga. “Eu particularmente entendo que seja difícil usar sem ser portador”, comenta. Ela também afirma que a publicação das imagens caracteriza apologia ao crime e até incitação ao fato criminoso, independentemente de as mídias terem sido publicadas em grupos fechados ou não.
Segundo ela explica, o artigo 286 do Código Penal prevê que “incitar, publicamente, a prática de crime” é passível de pena de detenção de três a seis meses, ou multa. A mesma pena pode ser aplicada para quem se enquadrar no artigo 287 que se refere a “fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime.
Em 2014, um caso de uma jovem de 19 anos no Mato Grosso do Sul teve ampla repercussão. À época, a garota publicou fotos no Facebook em que estava fumando maconha e outras imagens relacionadas à erva. Denunciada, ela acabou indiciada por apologia ao uso de drogas. A pena, neste caso, poderia variar entre um e três anos de cadeia.
Talvez seja por esse motivo que João (nome fictício) afirma ter consciência de que as fotos que publica em grupos relacionados ao uso da maconha podem expor sua identidade para familiares e pessoas que não sabem (ou que iriam preferir não saber) que o profissional de solda faz uso da droga.
Aos 23 anos, ele afirma que fuma há oito e diz não ter motivo especial para postar as fotos. “Sei que estou me expondo, mas sou apenas um usuário compartilhando seus momentos”, explica.
Tráfico quase liberado
Não é fácil encontrar postagens de compra e venda de drogas nos grupos de amantes da erva. No entanto, elas existem. Em uma publicação, um traficante oferece dois tipos da planta a partir de R$ 100. É possível observar que há interessados no produto. A imagem foi registrada no dia 3/5. Um dia depois a publicação foi removida da página.
Em outra publicação, um membro do grupo afirma ter sido enganado por um casal de traficantes. No caso, o usuário realizou o pagamento do “produto”, mas não recebeu a mercadoria como foi prometido pelos criminosos.
E, ao que parece, o mercado não se limita somente à tradicional compra e venda. A imagem abaixo mostra que os traficantes também se preocupam com a divulgação do produto. Chamada de “maconha olímpica”, é possível encontrar imagens dessa “mercadoria” em diversos grupos ligados ao consumo da droga.
Procurado para comentar o assunto, o Facebook não se pronunciou até a publicação desta reportagem. No entanto, a empresa sustenta uma posição clara em relação ao conteúdo publicado na rede social. Em caso de violação dos termos de serviço, o site deleta as publicações mediante denúncias dos usuários.