Ascensão e queda: como nasceram e morreram os impérios de drogas da Deep Web

O comércio de entorpecentes é arriscado, e a internet não muda isso
Renato Santino25/04/2019 23h14, atualizada em 25/04/2019 23h30

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Em qualquer lugar do mundo, drogas são um negócio lucrativo, seja onde elas são legalizadas, seja onde elas são ilegais. A internet e, mais especificamente, a deep web acabou se tornando um reduto para o comércio irregular desses produtos, oferecendo a vantagem do anonimato tanto para quem compra quanto para quem vende.

Os mercados se refugiam atrás da rede Tor, que é altamente descentralizada e criptografada, o que faz com que a identidade de todos os envolvidos seja mantida quase totalmente em segredo, mas isso não impede que eles sejam identificados por autoridades. E quando isso acontece, normalmente essas plataformas desmoronam.

Aqui estão os casos de sites que apostaram no anonimato do Tor e da Bitcoin e acabaram caindo:

Silk Road

Reprodução

O caso da Silk Road foi a maior e mais notável ação contra uma rede de comércio de drogas por meio da deep web, e os detalhes do julgamento atraíram a atenção da mídia, que deu ampla repercussão à prisão e condenação de Ross Ulbricht, conhecido pelo pseudônimo onlnie de Dread Pirate Roberts.

Sua prisão aconteceu por um erro de principiante. Um agente da IRS (órgão equivalente à Receita Federal) chegou ao seu nome por meio de algumas pesquisas no Google. Pesquisando pelos termos “Silk Road” e “.onion” em resultados de antes de 2011, ele descobriu um usuário em fóruns chamado “Altoid” anunciando a então nova plataforma de comércio ilegal e procurando especialistas em Bitcoin para uma nova “startup”. Na ocasião, ele deu o endereço de e-mail rossulbricht@gmail.com para contato, o que serviu para descobrir sua identidade.

A partir daí, não foi difícil rastreá-lo com sua identidade na web convencional conhecida, e sua prisão foi feita em uma biblioteca pública com todo o cuidado para que não fosse possível bloquear seu notebook com criptografia ou apagar as evidências.

No fim das contas Ross Ulbricht foi condenado a prisão perpétua (e mais 40 anos), e a Silk Road desmantelada em 2013.

Alphabay

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O AlphaBay assumiu o lugar da Silk Road como o grande espaço para o comércio ilegal na deep web. Talvez toda a repercussão da prisão de Ross Ulbricht tenha servido para impulsionar os negócios do novo site, que chegou a ser 10 vezes maior do que a Silk Road, mas ambos tiveram um fim parecido.

Alexandre Cazes, de 25 anos, era um prodígio do setor de tecnologia. O canadense teria criado sua primeira empresa ainda adolescente, vendendo computadores e ajudando empresas a criarem seus websites. As autoridades americanas conseguiram rastrear suas atividades até 2008, quando o encontraram dando dicas em um fórum sobre como remover vírus de uma foto.

O conhecimento técnico, com foco em criptografia, não foi suficiente, no entanto, para evitar que ele cometesse um erro bobo que custaria seu anonimato. Em dezembro de 2016, foi descoberto que o seu endereço de e-mail pessoal foi incluído em uma mensagem de boas-vindas a novos usuários do AlphaBay em 2014, na época em que o serviço foi lançado. O endereço era pimp_alex_91@hotmail.com. Foi o bastante para as autoridades poderem rastreá-lo.

Ele foi preso na Tailândia, e foi descoberto que ele tinha várias mansões e carros de luxo. Ele nunca será julgado ou cumprirá pena, no entanto, porque ele foi encontrado morto em sua cela.

Hansa

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O Hansa teve sua base de usuários ampliada consideravelemente com o fechamento do AlphaBay em julho de 2017, mas os autores não tiveram a oportunidade de comemorar. Se o AlphaBay foi fechado no dia 4 de julho, o Hansa foi fechado em 20 de julho, mas os responsáveis pela página já haviam sido presos bem antes disso.

A operação de fechamento das duas páginas está interligada. Em junho daquele ano, autoridades alemãs e holandesas trabalharam em conjunto para prender os administradores do Hansa. Eles também conseguiram assumir a operação da página por um mês para conseguir prender vendedores e compradores que utilizassem a plataforma. Além disso, para aumentar a eficácia, a ideia era atrair mais usuários para o Hansa com o fechamento do AlphaBay, ampliando o número de pessoas atingidas com a operação.

Assim, todos os mecanismos de segurança e anonimato do Hansa acabaram anulados temporariamente, fazendo com que os usuários da plataforma se entregassem. A polícia permitiu que fossem realizadas 27 mil transações entre 4 e 20 de julho, quando a base de vendedores disparou de 1 mil para 8 mil com o influxo dos usuários do AlphaBay. A ideia era coletar provas para incriminar os vendedores no tribunal.

RAMP

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O RAMP (sigla para Marketplace Anônimo Russo) conseguiu resistir por algum tempo voando por baixo dos radares das autoridades, existindo de 2012 até o encerramento de sua operação em 2017, quando ele foi desativado na mesma época do Alphabay e do Hansa.

O mercado também era um dos mais fortes na época de seu fechamento, mas era mais popular entre os russos e funcionava de modo diferente de seus concorrentes, operando mais como um fórum do que como uma loja online.

Sua desativação, no entanto, manteve-se como um mistério por algum tempo, até que a polícia russa admitiu a responsabilidade pela derrubada.

Dream Market

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É o caso mais recente das plataformas de comércio de drogas que fecha as portas, mas ao que tudo indica, desta vez, não como resultado de nenhuma ação policial, pelo que se sabe até o momento.

No final de março, os usuários receberam a informação de que o Dream Market seria fechado no dia 30 de abril, e que suas atividades seriam repassadas para outra “empresa” parceira. Obviamente, os usuários estão bastante em dúvida se devem ou não acreditar nesta promessa, graças ao histórico do AlphaBay e do Hansa.

Também não é comum que sites deste tipo avisem que vão fechar; o método mais comum de desativação de uma página ilegal deste tipo é simplesmente fechar e sumir com o dinheiro dos usuários. Os administradores, no entanto, alegam que os ataques DDoS (ataques de negação de serviço) sofridos tiveram grande peso na decisão, já que foram meses de instabilidade graças a milhões de acessos falsos às páginas do Dream Market, causando sobrecarga nos servidores e manchando sua reputação entre seu público.

E agora?

Está obviamente mais difícil manter um negócio ilícito de grandes proporções na deep web. As autoridades estão ficando mais espertas para lidar com esse tipo de atividade, e as prisões de traficantes virtuais estão se tornando cada vez mais comuns.

As iniciativas ainda existem e provavelmente nunca deixarão de existir. Afinal de contas, drogas sempre movimentarão muito dinheiro, e sempre haverá quem esteja disposto a aceitar o risco buscando os grandes retornos. No entanto, está cada vez mais difícil ter sucesso e se manter anônimo.

É esperar para ver qual será a próxima cabeça dessa hidra a se destacar e qual será o seu fim.

Renato Santino é editor(a) no Olhar Digital