Ao que tudo indica, a Rússia pretende seguir adiante com uma vacina contra Covid-19, apesar de não haver qualquer informação pública sobre o composto, contrariando as melhores recomendações do processo científico. De acordo com fontes ouvidas pela CNN, o país pretende autorizar a fórmula do Instituto Gamaleya, de Moscou, já em duas semanas. O Ministério da Saúde do país ainda não confirmou publicamente.

A promessa gera dúvidas porque a vacina prometida pelos russos surgiu “do nada” e não parece ter seguido o rigoroso processo científico necessário para o desenvolvimento de um composto tão delicado. Normalmente, ele é composto de três etapas, com aumento progressivo no número de voluntários participantes para primeiro analisar possíveis efeitos colaterais, dosagens ideais, a imunogenicidade (geração de resposta imunológica do organismo) e, principalmente, confirmar se a vacina é realmente protetora contra o vírus. Os dados de cada etapa são publicados e revisados pela comunidade científica e servem para que autoridades sanitárias deem o aval para a aplicação. Neste momento, a única informação sobre a vacina da Gamaleya é a promessa de que ela funciona. Recentemente, foi anunciado sucesso em um teste com 40 pessoas, mas não foram divulgados mais dados.

Oficialmente, a pesquisa ainda está na fase 2 de testes, com previsão de conclusão em 3 de agosto, que normalmente envolve algumas centenas de voluntários para oferecer respostas conclusivas sobre segurança e dosagem. O que a publicação diz que vai acontecer agora é que a fase 3 e definitiva acontecerá enquanto a vacina é disponibilizada para acesso público, com prioridade para profissionais de saúde na linha de frente do combate ao vírus. 

Mesmo sob desconfianças da comunidade científica, oficiais russos afirmaram à CNN que eles planejam a aprovação em 10 de agosto, ou até mesmo antes. Kirill Dmitriev, diretor do Fundo de Investimento Direto Russo, que financia o estudo, compara a pesquisa com um “momento Sputnik”, quando “americanos ficaram surpresos quando ouviram o som do Sputnik”.

“É o mesmo com esta vacina. A Rússia terá chegado lá primeiro”, ele diz.

A justificativa para as pesquisas andarem tão rapidamente é que já havia pesquisas prévias com vacinas para outras doenças, que foram adaptadas para a Covid-19, permitindo queimar algumas etapas de teste.

Durante a rápida fase experimental, os pesquisadores aplicaram o composto em soldados russos, e Alexander Ginsburg, diretor do projeto, diz ter aplicado em si mesmo a vacina, o que vai contra o protocolo científico. Também há relatos de que membros da elite econômica russa terem recebido doses.

A publicação também aponta que os russos justificam o processo acelerado de aprovação em decorrência da gravidade da doença no país, que já tem mais de 800 mil casos confirmados e 13 mil mortes oficiais.

Recentemente, a Rússia foi acusada de recorrer a ciberataques para roubar informações de pesquisas de Estados Unidos e Reino Unido, e não se sabe se isso pode ter alguma relação com a velocidade como os testes avançaram no país. A vacina da Gamaleya utiliza uma tecnologia de vetor viral baseado em adenovírus, inofensivo para humanos, que carrega uma parte do material genético do Sars-Cov-2 para manifestar a proteína “spike”, usada para penetrar nas células, permitindo ao corpo desenvolver uma resposta contra essa proteína. É um método similar aos utilizados pela universidade britânica de Oxford e pela farmacêutica chinesa CanSino.