A Rússia nem sequer conseguiu aplacar a desconfiança do resto do mundo sobre a Sputnik V, a primeira vacina contra Covid-19 a ser registrada no mundo, e agora já anunciou outra. Sem qualquer rodeio, Vladimir Putin anunciou nesta semana a aprovação da segunda vacina aprovada no país sem passar pelos trâmites convencionais para aferir segurança e eficácia.
Chamada de EpiVacCorona, a vacina foi desenvolvida pelo Instituto Vector, que era um laboratório de pesquisas para armas biológicas da antiga União Soviética. Ela utiliza peptídeos sintéticos do Sars-Cov-2 para gerar a reação imunológica do organismo.
Em maio, a agência de notícias russa Tass anunciou que o instituto iniciaria os ensaios clínicos (com seres humanos) apenas em junho, o que não é suficiente para conduzir todas as três etapas cruciais de testes de uma vacina. E, de fato, Putin diz que a vacina foi testada “com sucesso” em 100 pessoas, o que é uma amostra pequena de testes para confirmar segurança ou eficácia. Em agosto, também foi noticiado que não foram detectados efeitos colaterais relevantes entre os participantes.
As autoridades de saúde russas ainda estão analisando a segurança e qualidade da EpiVacCorona, mas ainda não deram detalhes sobre os resultados ou sobre a avaliação.
Uma fase 3 de testes precisa de dezenas de milhares de participantes com um grupo placebo, que permita a comparação clara dos resultados. A ampla base de pessoas permite entender bem como a vacina funciona em diferentes grupos, observando idade, gênero, etnia, além de permitir identificar efeitos colaterais mais graves e raros que simplesmente não vão aparecer em grupos pequenos.
Justamente por isso, mesmo que a segunda vacina russa realmente seja eficaz e segura, será muito difícil vê-la distribuída fora do país, onde houver agências regulatórias mais fortes, como é o caso da Anvisa. Para distribuição internacional, a apresentação dos testes clínicos de fase 3 são indispensáveis.
A situação é muito similar à da Sputnik V, que foi aprovada sem a realização de todos os testes e sem a publicação de nenhum dado, com testes realizados em apenas 76 pessoas. Após a divulgação, a comunidade científica questionou alguns dados aparentemente duplicados, que poderiam ser indício de fraude. Depois disso, os pesquisadores iniciaram os estudos de fase 3.