Uma vacina contra a Covid-19 tem sido apontada como a grande solução para a crise causada pelo coronavírus. No entanto, um dos motivos pelo qual o desenvolvimento de um composto do tipo demora anos é para verificar sua segurança e eficácia. Isso porque uma vacina insegura, em teoria, pode até mesmo tornar o organismo mais vulnerável ao vírus contra o qual tenta imunizar.
Como explica matéria da Nature, esse mecanismo tem nome: Amplificação Dependente de Anticorpos (ou ADE na sigla em inglês). Ele ocorre quando os anticorpos gerados por uma doença ou por uma vacina não neutralizam uma nova infecção, e na verdade facilitam uma nova reentrada do vírus nas células, causando a doença novamente, potencialmente com mais gravidade.
O risco está na forma como os anticorpos agem contra o vírus. Para que eles sejam eficazes para imunizar o corpo contra uma nova infecção, eles devem ter ação neutralizante. No entanto, caso eles sejam não-neutralizantes, eles podem se ligar ao vírus sem serem capazes de inativá-lo, o que na prática faz com que a penetração nas células seja ainda mais fácil.
O primeiro caso documentado de ADE foi conhecido com uma doença bastante familiar entre os brasileiros: a dengue. Em 1977, o virologista Scott Halstead notou algo em animais quando infectados por um dos quatro vírus ligados à doença. Depois de o organismo ser infectado por uma dessas variantes uma vez, a reação era piorada quando ele era atingido por outro vírus desse grupo. Isso também se reflete em humanos e explica por que a segunda infecção é mais perigosa que a primeira e por que é tão difícil desenvolver uma vacina contra a dengue.
A explicação para isso é que, quando uma segunda variação do vírus da dengue entra no organismo, os macrófagos, células do sistema imunológico responsável por inativar um micro-organismo invasor, que tem anticorpos não-neutralizantes, em vez de inutilizar o vírus acabam infectados e servindo como canal para a reprodução do vírus no organismo. Em experimentos in vitro, outros vírus além dos favivírus causadores da dengue também mostraram essa capacidade, inclusive diferentes tipos de coronavírus.
Como nota a publicação, no entanto, esse é um risco apenas teórico no momento. O Sars-Cov-2, causador da Covid-19, pode infectar macrófagos in vitro, mas não há qualquer evidência até o momento de que isso aconteça dentro de seres vivos.
“Esses dados não existem ainda. Em células in vitro, você pode fazer praticamente qualquer vírus apresentar isso utilizando as células corretas, as quantidades de anticorpos corretas e o vírus correto. Mas isso não é significativo, justamente por ser muito artificial”, explica Stan Perlman, um especialista em coronavírus da Universidade de Iowa.
Os especialistas entendem que a ADE pode ser um risco, mas entendem que o risco teórico não é um impeditivo contra o desenvolvimento e pesquisas com a vacina contra a Covid-19 até o momento.
Os poucos testes realizados de vacinas contra coronavírus causadores de outras doenças como Sars e a Mers não deram sinais de ADE, o que também dá aos cientistas um pouco mais de conforto para avançar com os experimentos de uma fórmula contra a Covid-19.
“A maioria dos especialistas observam e reconhecem o risco em potencial, mas não veem evidências o suficiente de que isso pode acontecer em seres humanos”, diz James Crowe, diretor do Centro de Vacinas de Vanderbilt. A posição também é corroborada por Rafi Ahmed, diretor do Centro de Vacinas de Emory. “A possibilidade teórica de ADE existe, mas a questão mais difícil é como conciliar essa preocupação com o avanço da pesquisa. Não existe resposta fácil”.