Ao mesmo tempo em que o mundo clama por uma vacina eficaz contra a Covid-19, há também desconfiança sobre como esse processo tem sido conduzido, já que tradicionalmente pesquisas similares podem demorar mais de uma década. Para tentar demonstrar mais transparência e tornar mais claros os dados sobre segurança e de eficácia de sua vacina, a farmacêutica Moderna, dos Estados Unidos, liberou um documento de 135 páginas com todas as informações sobre seus estudos.

O documento (disponível neste link) detalha o protocolo de experimentos e traz alguma luz sobre a capacidade da empresa em lançar uma vacina ainda neste ano, como cita o New York Times. Isso porque a companhia prevê a análise preliminar dos dados da fase 3 de testes, que determina se a fórmula é realmente protetora contra o vírus, apenas em dezembro. E ainda assim, a companhia projeta que os dados acumulados até lá podem não ser suficientes para servir como base para iniciar a distribuição. Novas avaliações estão previstas para março e maio de 2021.

Não é difícil entender essa demora. O prazo dos resultados da fase 3 de testes está fora do controle dos pesquisadores, porque depende do tempo do corpo humano em produzir a resposta imunológica, o que é ainda mais demorado se depender de uma segunda aplicação, e dos voluntários se exporem ao vírus. Quanto mais voluntários entrarem em contato com o Sars-Cov-2, mais rápidos serão os resultados.

Tal Zaks, diretor médico da Moderna, nota que a decisão de liberar essas informações não foi fácil, e muitas farmacêuticas têm demonstrado receio em fazer o mesmo, já que o sigilo pode significar uma vantagem competitiva. A decisão, no entanto, pode incentivar outras companhias a seguir uma rota similar e detalhar seus protocolos.

O documento revela a demografia dos 25 mil participantes dos testes de fase 3, com cerca de 28% de minorias étnicas, como negros e latinos. Eles recebem duas doses separadas por quatro semanas entre si, mas sem saber se realmente estão recebendo a vacina pesquisada ou um placebo. Os voluntários fazem um acompanhamento diário de sintomas e efeitos colaterais e recebem telefonemas regulares para que os cientistas possam conferir a situação.

Em termos de efeitos colaterais, os participantes das etapas iniciais de testes relataram eventos adversos majoritariamente leves e temporários, incluindo dor no local da injeção, febre, calafrios, dores musculares ou nas articulações, fadiga e dores de cabeça.

O protocolo também detalha como a Moderna fará para determinar se a vacina é ou não eficaz. Para isso, a empresa espera acumular 151 casos de Covid-19 entre os voluntários, independentemente de ocorrerem entre os que receberam o composto ou entre os que receberam o placebo. Se os casos acontecerem apenas ou principalmente no grupo placebo, é sinal de que a vacina é (pelo menos parcialmente) eficaz. A companhia mira uma eficácia mínima de 60%, e o patamar mínimo para aprovação da FDA, o órgão regulador dos Estados Unidos, é de 50%.

No entanto, apesar do protocolo determinar 151 casos como o patamar que definirá a eficácia da vacina, a empresa se reserva o direito de, se houver uma diferença estatística muito gritante entre os dois grupos, procurar a aprovação mesmo antes de chegar a esse número. Assim, a primeira análise deve ocorrer quando houver 53 casos de Covid-19 entre os voluntários; se os dados não forem conclusivos, uma nova análise será realizada quando houver 106 casos. Se, novamente, não for possível chegar a um resultado conclusivo, aí sim, os pesquisadores aguardarão os 151 casos. O problema é que não há como saber quando cada um desses degraus será alcançado pelos motivos mencionados acima: tudo depende de quando os voluntários serão expostos ao vírus, e isso está fora do controle dos cientistas.