Mini-pulmões feitos em laboratório podem nos ajudar a entender a Covid

Organoides são criados a partir de células-tronco, e reproduzem a composição, estrutura e funcionamento de um órgão real
Rafael Rigues10/06/2020 13h17

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Cientistas do Laboratório Nacional de Doenças Infecciosas Emergentes (NEIDL, National Emerging Infectious Diseases Laboratories) em Boston, nos EUA, estão usando minúsculos análogos aos pulmões humanos, chamados de “organoides”, para estudar como o vírus Sars-Cov-2, causador da Covid-19, afeta o organismo humano.

Ao analisar o comportamento de um vírus, ou antes de testar um medicamento em humanos, os cientistas usam culturas de células para observar os resultados. Mas após gerações de adaptação ao uso em laboratório, estas culturas perderam a capacidade de funcionar como o órgão de onde vieram.

“Elas perderam a capacidade de funcionar como um pulmão ou fígado, e não respondem ao interferon”, uma proteína produzida pelas células em resposta à presença de um vírus. “São muito diferentes dos órgãos reais, e não fazem muito mais do que ser infectadas”, disse Elke Mühlberger, microbióloga no NEIDL. Além disso as culturas contém apenas um tipo de célula, e não conseguem replicar as interações entre os diferentes tipos que compõem um órgão.

É aqui que entram em cena os organoides, pequenos aglomerados tridimensionais de células especializadas, criados a partir de células-tronco cultivadas em laboratório. Apesar de seu tamanho diminuto, eles têm a estrutura, composição e funcionamento de um órgão real. Corações minúsculos pulsam, e cérebros emitem impulsos elétricos como um cérebro real.

Reprodução

Detalhe do Sars-Cov-2, vírus causador da Covid-19. Crédito: Visual Science / Reprodução

Eles foram usados pela primeira vez para estudar a epidemia de Zika, quando pequenos cérebros foram infectados com o vírus. Isso mostrou que ele tem preferência por neurônios jovens, ainda em desenvolvimento, o que explica os casos de microcefalia em crianças nascidas de gestantes infectadas pela doença.

Os pesquisadores estão especialmente interessados nos danos causados pelo vírus aos alvéolos, pequenos “sacos” onde a troca gasosa é realizada. “Suspeitamos que o vírus está disparando alguma reação. O que estamos realmente interessados em saber é: quando um vírus entra em uma célula, quais são as consequências no resto do órgão?”, diz Finn Hawkins, responsável por um dos laboratórios que produzem organoides.

Uma suspeita é que ele danifica células chamadas “tipo 2”, que produzem um surfactante, substância que reduz a tensão superficial dos alvéolos e permite que eles se mantenham abertos.

“Se você analisar as autópsias, verá que as células tipo 2 estão severamente danificadas. Sabemos que elas são infectadas pelo vírus. Elas são a célula-chave para entender o que está matando os pacientes”, diz Hawkins.

“Sem elas os alvéolos ficam completamente fechados, e é isso que causa problemas com a oxigenação. Quando um paciente é colocado em um ventilador, é muito difícil entregar ar na pressão correta e resgatar estes pulmões que estão doentes e vazando”, disse.

Mühlberger acredita que os organoides podem nos dar uma melhor ideia de que drogas podem impedir o vírus de se replicar. Um composto que funcionou em células de macacos, por exemplo, não teve efeito algum em células pulmonares humanas, diz ela. “Acreditamos que os organoides têm uma resposta totalmente diferente ao vírus, e que os medicamentos também podem agir neles de forma diferente”.

Fonte: Technology Review

Colunista

Rafael Rigues é colunista no Olhar Digital