A Europa vive uma nova crise aguda com o coronavírus, após seis meses de mais tranquilidade após a primeira onda da doença ser controlada na região por volta de abril. Enquanto o continente se prepara para novas medidas de contenção da Covid-19, os cientistas anunciam a descoberta de uma nova mutação do vírus, que tem se tornado predominante na região.
A pesquisa, divulgada ainda em formato de preprint e sem revisão por pares, detalha uma mutação que afeta a proteína “S” do vírus, que forma os espinhos do coronavírus. É a parte do vírus que é atacada pelos anticorpos e é o alvo das vacinas que estão em desenvolvimento no mundo inteiro.
Segundo a pesquisa, a variante surgiu no início do verão europeu, em junho, provavelmente na Espanha e se tornou comum no país. Logo ela se espalhou para se tornar recorrente em países como Suíça, Irlanda e Reino Unido em setembro, além de ser prevalente também na Noruega, Letônia, Holanda e França nos últimos meses.
“Não é claro no momento se esta variante está se espalhando por causa de uma vantagem na transmissão do vírus ou se a alta incidência na Espanha seguida pela disseminação por meio de turistas é suficiente para explicar a expansão em múltiplos países”, diz o estudo.
Até hoje, especialistas apontaram que as várias mutações pelas quais o Sars-Cov-2 passou não representavam riscos, já que elas não afetavam necessariamente a proteína S, utilizada pelo vírus para ligar-se às células humanas por meio do receptor ACE2. Com isso, a resposta imunológica produzida por uma primeira infecção ou por uma vacina para uma variante do vírus continuaria valendo para as outras. Com essa nova mutação, isso pode afetar as vacinas? Ela é responsável pela nova onda?
Não necessariamente. O estudo destaca alguns pontos-chave:
- Esta variante aumentou em frequência em múltiplos países, mas não há evidência direta de que ela se espalha mais rápido. O aumento de frequência pode ser devido a fatores epidemiológicos;
- Não há dados para avaliar se esta variante afeta a severidade da doença;
- Apesar de dominante em alguns países, a mutação ainda não é a principal em todos os lugares e múltiplas variações do Sars-Cov-2 continuam a circular pela Europa.
O estudo destaca a necessidade de mais tempo para entender completamente o impacto de uma mutação deste tipo. “Conforme as sequências e os resultados clínicos dos pacientes afetados por esta variante se tornarem disponíveis, será possível inferir melhor se essa linhagem tem algum impacto no prognóstico da doença”.
E a imunidade? A mutação, chamada S:A222V, tem esse nome porque a mutação afeta a proteína S, substituindo o aminoácido alanina (A) pela vanina (V) na posição 222. Como explica Bruno Filardi, oncologista e pesquisador de imunopatologia, a região do vírus que se liga às células inclui da posição 348 à 516. Também é a região atacada pelos anticorpos. Assim, tudo indica que a mutação não afeta a resposta imunológica.
Analisando a localização da mutação A222V, vemos que essa região não pertence felizmente a RBD (entre o aminoácido 348 a 516), que é a região onde a proteína S se liga ao receptor celular e grande parte dos anticorpos neutralizantes agem.https://t.co/JW0JFu6JU2 pic.twitter.com/EkDgKlXUPg
— Bruno Filardi, MD, PhD (@mab_sp125) October 29, 2020