China aplica vacinas em funcionários de estatais sem avisar que são experimentais

Sinopharm está distribuindo doses para trabalhadores dando a entender que são seguras, mas testes não foram concluídos
Renato Santino03/08/2020 19h27

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Nenhum laboratório no mundo tem em mãos uma vacina comprovadamente eficaz contra a Covid-19, mas isso não está impedindo que algumas pessoas já estejam sendo vacinadas fora de protocolos de pesquisa no mundo. Ao que tudo indica, estatais na China estão distribuindo doses de imunizantes em pesquisa sem mencionar que sua eficácia ou sua segurança ainda estão sob análise.

Como relata o site Quartz, já há dois casos registrados do tipo até o momento. O primeiro deles está ligado à estatal PetroChina, que distribuiu aos funcionários um comunicado dando a eles a “oportunidade” de estarem entre os primeiros chineses a receber uma vacina contra o coronavírus. O comunicado teria sido publicado com o apoio do governo chinês, como informa o New York Times.

Posteriormente, o Wall Street Journal relatou um caso bastante similar vinculado a outra estatal. Uma subsidiária da China TravelSky Holding Co, uma empresa de viagens ligada ao governo, também ofereceu vacinas experimentais aos funcionários trabalhando em aeroportos, ou que precisavam ir ao exterior.

Em ambos os casos, o laboratório responsável pela vacina é a Sinopharm, que está testando duas iniciativas distintas contra a Covid-19. Os testes já chegaram à fase 3 após resultados promissores nas duas primeiras etapas de experimentos com humanos e inclusive terão apoio brasileiro na pesquisa graças a um acordo com o governo do estado do Paraná.

Outro caso envolvendo a Sinopharm envolveu os próprios funcionários da própria empresa. Em julho, a empresa publicou fotos de um grupo de trabalhadores e executivos que recebiam aplicações da vacina. A foto foi tirada antes mesmo da aprovação dos órgãos regulatórios para início dos testes com seres humanos, como aponta a ABC News.

O problema dessa abordagem é que, ainda que os primeiros testes com humanos tenham se mostrado positivos, com capacidade de geração de resposta imune e poucos efeitos colaterais, os ensaios clínicos de fase 1 e 2 alcançam um grupo pequeno de voluntários. É na fase 3, com dezenas de milhares de pessoas envolvidas, que se comprova sua eficácia e se detecta efeitos colaterais potencialmente mais raros e graves. Por exemplo: um efeito adverso que afete apenas 0,1% das pessoas talvez não apareça em um teste com 600 voluntários, mas dificilmente passaria indetectado por um experimento que envolva 30 mil. No caso chinês, há 1,4 bilhão de habitantes no país: mantendo 0,1% de problemas, seriam 1,4 milhão de impactados.

Outro ponto preocupante é comportamental, como explica Alex John London, diretor do Centro de Ética e Política da Universidade Carnegie Mellon, nos Estados Unidos. Mesmo se a vacina não causar maiores danos aos voluntários, sem a certeza de sua eficácia, as pessoas podem se expor a riscos aos quais normalmente não se exporiam se se sentissem vulneráveis. Ou seja, se a vacina não funcionar como se espera, esses trabalhadores tendem aumentar suas chances de exposição ao vírus e, consequentemente, de causar novos surtos.

Renato Santino é editor(a) no Olhar Digital