O impacto econômico da pandemia do novo coronavírus entrou na pauta de discussões com toda força nos últimos dias. No Brasil e no mundo, economistas de diversas correntes debatem e propõem soluções para que a política de quarentena (lockdown) não cause uma quebradeira também na economia. E uma lição pode vir da última situação de crise global: a Segunda Guerra Mundial.

A escassez de produtos de primeira necessidade, como itens de proteção, higiene e esterilização, além de equipamentos médicos hospitalares (especialmente ventiladores mecânicos) é um desafio para a indústria. Uma maneira de aumentar a disponibilidade desses produtos é promover uma mudança na linha de produção de alguns setores. Aplicar a “reconversão produtiva”.

Isso já está sendo feito em certa medida. No Brasil, a cervejaria Ambev deverá substituir a produção normal de bebidas pela fabricação de álcool em gel na sua unidade de Piraí, no Rio de Janeiro. A fabricante de eletrônicos Sharp decidiu usar uma de suas fábricas no Japão para a produção de máscaras descartáveis, de onde geralmente saiam grandes painéis LCD e realizar a montagem de TVs.

Nos Estados Unidos, onde os esforços de guerra na década de 1940 para redirecionar recursos da indústria foram mais fortes, na crise atual várias empresas já estão conduzindo suas reconversões produtivas. A Ford anunciou nesta semana que não retomará a produção de caminhões e utilitários esportivos, mas irá colaborar com a 3M em um novo design de respirador usando peças que seriam utilizadas em veículos.

Ford trabalha com a 3M, GE e UAW para acelerar a produção de respiradores para pacientes com coronavírus (Ford/Divulgação)

A montadora ainda está trabalhando com a General Electric para aumentar a produção de ventiladores mecânicos e deu aos seus designers a missão de criar novos tipos de protetores faciais transparentes para proteger médicos e socorristas. A expectativa é que produza 100 mil itens por semana. A Tesla comprou 1,2 respiradores para unidades de saúde pública na Califórnia e Elon Musk disse que a empresa está pensando em como construir mais.

“É isso que a nossa empresa faz quando é necessário”, afirmou Bill Ford, presidente executivo da montadora, em uma entrevista à CNBC. De fato, Ford foi uma parte essencial do esforço de guerra norte-americano na Segunda Guerra Mundial. No auge do conflito na Europa, a unidade da empresa em Detroit construía um bombardeiro B-24 a cada 63 minutos.

Para combater os países do Eixo, a Frigidaire (hoje subsidiária da Electrolux) fez metralhadoras, fábricas de lingerie produziam redes de camuflagem, empresas de construção de estradas fizeram navios de combate. Peças projetadas para aspiradores de pó passaram a serem usadas em máscaras de gás.

Claro que há de se considerar os desafios atuais. A Segunda Guerra Mundial se desenrolou ao longo de anos, enquanto o Covid-19 já afeta a vida de bilhões de pessoas em poucas semanas. As fábricas não estão fechadas porque a economia já está prejudicada, mas porque seus trabalhadores devem manter distância. Em 1941, a maioria dos materiais que os Estados Unidos precisavam estava dentro de suas fronteiras, enquanto as cadeias de suprimentos atuais estão espalhadas pelo mundo.

Ainda assim, a maneira como a indústria americana se mobilizou para a guerra oferece lições para quem tenta ajudar hoje. A primeira delas talvez venha tarde: prepare-se com antecedência. O presidente Franklin D. Roosevelt levou a sério a possibilidade de estocar seu arsenal mais de um ano antes do ataque japonês a Pearl Harbor, logo depois que a Alemanha invadiu a França.

 Departamento de Defesa/USGov

Em abril de 1941, o governo encomendou US$ 1,5 bilhão (hoje em dia, US$ 26,4 bilhões) em motores de avião, tanques, metralhadoras e outras ferramentas apenas da indústria automobilística. Quando o Congresso declarou guerra oito meses depois, as fábricas já estavam no processo de realinhar as cadeias de suprimentos.

Outra lição importante da guerra é que a coordenação é fundamental – e deve vir do governo federal. Por aqui, o Senado Federal aprovou o Projeto de Decreto Legislativo que reconhece a situação de calamidade pública no Brasil, e dispensa o governo de atingir a meta fiscal, entre outras medidas, para combater a pandemia do novo coronavírus. Porém, governo federal e governos estaduais vem batendo cabeça em relação às medidas que devem ser tomadas.

A coordenação centralizada na Segunda Guerra também ajudou o governo dos EUA a pressionar as empresas a compartilhar a propriedade intelectual, para que a produção não fosse limitada pela capacidade de uma única empresa. Quando os militares precisavam de mais bombardeiros B-17 do que a Boeing poderia produzir, o governo contratou a Lockheed para recuperar a folga, exigindo que pagasse à Boeing uma modesta taxa de licenciamento.

O mesmo tipo de movimento agora poderia ajudar a aumentar a produção de ventiladores mecânicos e outras ferramentas, mas nos EUA o presidente Donald Trump resistiu ao uso da Lei de Produção da Defesa de 1950. “Somos um país que não se baseia em nacionalizar nossos negócios”, disse Trump. “Ligue para uma pessoa na Venezuela e pergunte como foi a nacionalização de seus negócios”. Diferente do que o presidente acredita, a lei não nacionalizaria nada, mas permitiria ao governo obrigar as empresas a aceitar contratos governamentais e proteger as empresas de ações antitruste se elas trabalhassem juntas.

Durante a Segunda Guerra Mundial, o governo dos EUA ainda investiu forte na construção de novas plantas, e contratou empresas para usá-las, comprando toda a produção. Isso permitiu que as empresas expandissem sua presença sem se preocupar com o retorno de seus investimentos e garantiu que o governo obtivesse o que precisava, quando necessário.

Via: Wired