Professores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos, trabalham em um novo aplicativo para coletar dados sobre a disseminação da Covid-19 por meio do rastreamento de smartphones.
Segundo reportagem da revista The Wired, dados de deslocamento dos dispositivos poderiam providenciar informações valiosas para identificar focos de contágio, calcular a fração de pacientes assintomáticos e subsidiar ações públicas de combate à doença. Por outro lado, a tecnologia apresenta dilemas acerca da privacidade dos usuários, em especial o monitoramento de órgãos do governo.
Batizado de CoEpi, o projeto liderado pelo professor do MIT Media Lab, Ramesh Raskar, pretende criar um sistema capaz de monitorar a localização de aparelhos em tempo real. Cada dispositivo estaria associado a uma pessoa e os dados de deslocamento seriam comparados com as informações de pacientes já testados positivo com o coronavírus pelos órgãos públicos de saúde.
Os usuários ainda responderiam a perguntas frequentes se eles foram infectados ou apresentam sintomas da doença. Dessa forma, o aplicativo poderia identificar potenciais características das transmissões do vírus.
O primeiro protótipo do programa começou a ser testado na última sexta-feira (13). À The Wired, Raskar afirmou que recebe o auxílio de outros pesquisadores e companhias do setor tecnológico. O professor do MIT ainda diz estar em contato com a Organização Mundial da Saúde, o Centro de Prevenção e Controle de Doenças; e o Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos. Apesar disso, nenhum desses órgãos apoia formalmente o projeto.
Uma carta aberta assinada por dezenas de clínicos, executivos e profissionais, publicada na terça-feira (10), sugere que uma tecnologia similar ao CoEpi seja padrão em smartphones. O posicionamento defende, por exemplo, que a Apple e o Google adequem seus softwares ao sistema de monitoramento. O recurso, então, funcionaria mediante a permissão dos usuários. Ambas as companhias não responderam a proposta.
Privacidade em risco?
Para Peter Eckersley, um dos especialistas do segmento de tecnologia signatários da carta, a privacidade pode não ser um problema para o aplicativo. À The Wired, ele afirma que é possível usar um sistema que não forme um banco de dados nacional com a identificação dos usuários com o intuito de evitar a possibilidade do governo espionar os celulares. “As perguntas poderiam acontecer de forma privada no seu smartphone” ou com um tipo de software avançado de segurança, disse.
Contudo, experiências com tecnologias similares no enfrentamento ao coronavírus na Coreia do Sul e na China indicam que esse recurso pode levar à exposição pública dos usuários.
No caso da Coreia, autoridades enviaram conteúdos com detalhes dos movimentos de pacientes específicos infectados com Covid-19. A prática levou a linchamentos, fofocas e exposição de informações pessoais dos enfermos. Além disso, o governo ainda usou um aplicativo de smartphone para monitorar pacientes ordenados a ficar em quarentena.
Já na China, aplicativos populares como o WeChat e o AliPay classificaram o grau de exposição de usuários com códigos para determinar se eles deveriam ficar em quarentena. Alguns cidadãos chineses relatarem que os códigos eram aplicados arbitrariamente ou com base na residência. Por fim, segundo a The Wired, há evidência que os aplicativos retornavam dados para autoridades governamentais.
Barreiras
Além da preocupação com a privacidade, há também barreiras tecnológicas para o funcionamento adequado do monitoramento de smartphones. A adesão é a primeira delas. Segundo a reportagem, nos Estados Unidos seria preciso que pelo menos 20% da população fizesse o download do aplicativo para que se tenha um retrato aproximado da disseminação do novo coronavírus. O aplicativo ainda poderia criar um cenário de pânico, uma vez que as pessoas conseguiriam apontar se cruzaram com um potencial infectado durante um determinado trajeto.
Outro problema consiste na margem de erro nos serviços de localização dos smartphones. Estudos apontam que os dispositivos têm uma precisão entre sete a treze metros em áreas urbanas. Enquanto isso, o contágio pelo novo coronavírus acontece em uma distância de poucos passos entre as pessoas.
“Não é tão simples como “você cruzou caminhos com alguém infectado com o vírus”, disse Hannah Fry, professora da University College London, no Reino Unido, à The Wired. “Você pode sentar a poucos metros de alguém infectado e não estar em risco. Mas pode ter contato com o assento ocupado muito antes por um paciente infectado estar em risco”, afirmou.
Ainda segundo Fry, informações incorretas podem encorajar comportamentos de risco. Ela diz, no entanto, que é possível superar os problemas de privacidade e outras limitações. “Eu acho que isso [o aplicativo] ainda vale a pena”, ponderou.
Fonte: The Wired