Um estudo recém-publicado por uma equipe de pesquisadores da Universidade de Penn State afirma que certos produtos comuns na maioria das residências, como antisséptico bucal, xampu para bebês ou sprays nasais variados, podem trazer a capacidade de inibir o coronavírus. A novidade ainda não está amplamente relatada na mídia, mas algumas publicações dão conta da “cura da Covid-19” com esses itens rotineiros.
Mas assim como quase tudo em pesquisas científicas, não é bem assim: ainda que os pesquisadores tenham realmente descoberto propriedades inibidoras nos itens relacionados acima (e alguns outros), a questão é “qual” coronavírus eles “inibem”?
Pesquisas mostram que é possível inibir um tipo de coronavírus com produtos comuns, mas cientistas pedem cautela pois estudos mais aprofundados são necessários. Imagem: CI Photos/Shutterstock
A Covid-19, que já matou mais de um milhão de pessoas no mundo (mais de 150 mil somente no Brasil), deriva do vírus conhecido como “SARS-CoV-2”. A pesquisa da Universidade de Penn State não se refere a ele, mas sim ao “HCoV-229e” – um outro tipo de coronavírus, sem relações com a doença que colocou o mundo inteiro em estado de pandemia.
O HCoV-229e (nomenclatura que, traduzida livremente, significa “Coronavírus Humano 229e”) traz sintomas parecidos com o SARS-CoV-2 – dificuldades respiratórias e similaridades com o resfriado ou, em casos mais graves, pneumonia e bronquiolite, sendo transmitido pelo contato com superfícies contaminadas ou gotículas infectadas. Entretanto, ele é muito mais atrelado ao resfriado comum e, consequentemente, bem menos grave que outras vertentes da mesma categoria.
Ou seja, ainda podemos afirmar (infelizmente) que não há vacina ou medicação comprovadamente eficaz contra a Covid-19.
O estudo em si também é outro ponto que merece atenção: a Universidade de Penn State não enfileirou pessoas e mandou que elas fizessem gargarejos incessantes com antisséptico bucal. Os testes foram feitos em laboratórios, usando culturas de células humanas em soluções específicas. Em outras palavras, os efeitos de produtos desse tipo em qualquer coronavírus não foram sequer testados em humanos.
Isso dito, o possível ponto de confusão da pesquisa em relação à Covid-19 reside no fato de que o HCoV-229e e o SARS-CoV-2 são muito similares, geneticamente falando. Por isso, os resultados da pesquisa de um podem ser reproduzidos no outro; pelo menos é o que especulam os cientistas.
Por essa razão, a comunidade de estudos do tipo pede para que maiores estudos sejam conduzidos a fim de aferir as capacidades neutralizantes de outros itens, mais acessíveis, contra o novo coronavírus. Produtos como antissépticos bucais contam com químicos que quebram membranas celulares de alguns vírus, mas não se sabe ainda como eles vão interagir com o causador da Covid-19.
Por isso, os testes conduzidos pela universidade com o HCoV-229e trouxeram resultados interessantes: os pesquisadores expuseram culturas de células do fígado humano a soluções que misturaram o vírus e os produtos mencionados, com interações variadas conforme o tempo de exposição de cada produto.
O uso de máscara e o distanciamento social ainda são duas das melhores medidas de proteção contra a Covid-19. Foto: iStock/ Spondylolithesis
“Quando em contato de um ou dois minutos, o shampoo para bebês diluído a 1% conseguiu desativar, respectivamente, 99% e 99,9% do vírus”, disse a equipe em seu relatório. Já no produto de higiene oral, 99,99% do HCoV-229e foi neutralizado em aproximadamente 30 segundos. Tempos superiores de exposição – um ou dois minutos – deram conta da eliminação total do vírus de dentro da solução.
Os resultados são animadores pois parecem (ênfase em “parecem”) corroborar uma pesquisa anterior, conduzida na Alemanha, e que postulou que antisséptico bucal seria capaz de reduzir significativamente a carga viral do coronavírus. Vale citar: a pesquisa alemã, conduzida em julho, usou o SARS-CoV-2 como amostra, então a similaridade com resultados do estudo da Universidade de Penn State conseguiram chamar a atenção.
A higienização das mãos com álcool em gel também protege contra a Covid-19, sendo uma das formas mais recomendadas pela Organização Mundial da Saúde. Imagem: iStock/Reprodução
Ainda assim, todos os cientistas pedem por extremo cuidado, haja vista que ninguém sabe o comportamento de qualquer um dos dois vírus testados caso estes tenham que interagir com os produtos dentro do corpo humano em um ambiente real de testes. Por essa razão, os cuidados que já conhecemos – distanciamento e isolamento social, o uso de máscaras de proteção e sanitização das mãos com álcool em gel – ainda são as melhores formas de prevenção à Covid-19.
Diante disso, os pesquisadores de Penn State estão animados, e recomendam estudos mais profundos para avançar essas conclusões: “Os testes clínicos são necessários para determinar se esses produtos podem reduzir a carga viral de pacientes que testaram positivo para a Covid-19, ou aqueles cujas ocupações de alto risco facilitem a transmissão quando falam, tossem ou espirram”, disse Craig Meyers, o microbiologista que assina a chefia do estudo. “Ainda que essas soluções reduzam a transmissão em 50%, isso traria um impacto enorme”.
Fonte: Science Alert