Os padrões éticos são construídos a partir de concepções sociais nas quais devem ser consideradas o tempo e espaço em que determinados eventos estão inseridos. A tecnologia, que até aqui, facilitou a vida da sociedade e acelerou sua evolução, trouxe também implicações prejudiciais que conflitam com questões éticas da sociedade atual. Preconceito, racismo, invasão de privacidade, experimentos com humanos e até mesmo riscos de vida já foram relacionado ao uso de algoritmos e avanços tecnológicos. Uma simples pesquisa na Internet já traz histórias que demonstram a fragilidade da tecnologia.
Em 2015, a Google lançou o Google Photos, um serviço de compartilhamento e armazenamento que agrupa fotos semelhantes em um mesmo álbum a partir da criação de tags, o problema foi quando no reconhecimento de pessoas negras, a tag de identificação criada de forma automática foi “gorila”. Tay, a inteligência artificial projetada pela Microsoft em 2016, com o intuito de conversar com as pessoas via Twitter, teve uma “vida” curta. Foram necessárias apenas 24 horas para que a robô, que aprendia à medida em que se relacionava com os humanos, formasse um “caráter” nazista, pornográfico, racista e sexista. Apesar de ter aprendido tais valores com os internautas, ela não possuía capacidade analítica para qualquer julgamento cognitivo a respeito do que absorvia.
Logo depois, um vídeo chamou a atenção de todos nas redes sociais: uma saboneteira automática, acionada por infravermelho, não faz a liberação do sabonete se você tiver a pele negra. Recentemente, o Facebook teve problemas com a venda não-autorizada de dados dos seus usuários, com impactos que influenciaram a eleição presidencial da maior potência mundial, como os Estados Unidos. Mais recentemente, na considerada Era da Automatização, já ocorreu o primeiro acidente automobilístico fatal provocado por um veículo sem motorista. No Arizona, EUA, uma mulher morreu ao serâatropelada por um carro autônomo da Uberâ, que estava em fase de testes. E não raro, há casos de robôs que âmataram profissionais durante o processo de implementação ou manutenção da máquina.
Os limites éticos, morais e até legais seguem se contrapondo à tecnologia em determinados momentos. Se por um lado, nem todos eles constituem ilegalidades nos termos da lei,- não sendo, portanto,passíveis de sucesso em um processo judicial ou ação pública- por outro, é preciso ter uma preocupação em relação a como e por quem essas tecnologias estão sendo criadas e testadas, reavaliando os critérios éticos, principalmente em ambientes empresariais.
Os questionamentos à temática são inúmeros, desde como ensinar ética para algoritmos, quais são e quem define os limites, quais os impactos sociais, até quem será responsabilizado por essas transgressões, como no caso da Tay, se houver acusação por discriminação, quem criminalizar: empresa ou internautas? No caso do Uber, causar a morte de alguém é, de fato, crime; sendo assim, o homicídio é culposo ou doloso, quem julgar: empresa, desenvolvedores?
A legislação não acompanha a velocidade do avanço tecnológico e, ainda que os acontecimentos fossem inimagináveis – exceto por apostas feitas por pessoas muito à frente do seu tempo, como no livro 1984 -, poderiam ser previstos e mapeados para definir antecipadamente as soluções. Principalmente se levarmos em consideração cada caso que não constitui uma violação legal, em circunstâncias que dêem abertura para discussões morais e éticas. No caso da saboneteira, por exemplo, seria ilegal ou apenas antiético? Foi uma escolha consciente durante o processo de produção, ou apenas ausência de diversidade na criação e nos testes? Diante deste cenário ainda recente e impreciso, , há um desafio interdisciplinar: da tecnologia, aqui entendida como a aplicação prática do conhecimento científico; da ética, enquanto noções e princípios basilares da moralidade social (a qual, por natureza, se transforma ao longo do tempo e está atrelada diretamente à cultura); e da sociologia, à medida que a sociedade é a principal impactada quando as demais não estiverem em equilíbrio. Desta forma, estamos diante de umaâ uma intersecção quase filosófica.
Todavia, tais dilemas não são exclusividade da tecnologia. Na área da Ciências Biológicas, existe um extenso âCódigo de Ética do Biólogoâ, a fim de conceder direitos e explicitar deveres. O código orienta a atuação desses profissionais e,os valores basilares, principalmente em relação a inovação científica e tecnológica da área – as famosas pesquisas e seus testes incluindo ainda, previsão de penalidades quando o mesmo não for cumprido.
O que é, sim, exclusividade da tecnologia, assim como em diversos outros temas, é a proporção e velocidade dos impactos – sejam eles positivos ou não.
Contudo, o bom senso, o respeito à vida e aos direitos humanos básicos, devem ser sempre considerados na hora da inovação técnico-científica. Não é por ser tecnicamente possível enquanto aplicação prática de qualquer área de atuação-, que pode ou deve ser feito, tanto do ponto de vista legal -e, portanto, óbvio-, quanto do ponto de vista ético, -nem sempre tão óbvio. Essa deveria ser, portanto,uma preocupação de todos: órgãos reguladores, sociedade civil, governo, setor empresarial etc, uma vez que o impacto, seja positivo ou não, não limita pessoas por classe, raça, credo ou região. Um exemplo explícito e recente é a do cientista âHe Jiankuiâ, que criou, sem permissão, bebês geneticamente modificados. Tecnicamente foi, sim, possível. Mas, segundo a maioria massiva de pesquisadores e especialistas no assunto, dado o nível de risco, isso não deveria ter acontecido em hipótese alguma, e as investigações apontam para penalidades legais. Se por um lado, de acordo com o governo chinês, ele será punido por violações da lei (ainda não
especificadas quais são), por outro, o cientista emitiu, de acordo com a investigação, uma avaliação ética (atribuindo autoria a terceiros).
Ainda que possível, qual a análise ética? Ponto fundamental para compreender onde se quer chegar. Não se deseja, aqui, emitir uma verdade absoluta sobre como fazer, determinar a necessidade de um código de conduta, relatórios de avaliações éticas, ou ainda, comitês internos especializados no assunto. A forma é irrelevante, o imprescindível, e urgente, é que haja um olhar mais crítico, ético e sobretudo legal sobre os avanços tecnológicos, evitando que estragos irreversíveis assolem a sociedade.
Com isso não se quer, de forma alguma, limitar ou desacelerar a inovação. Mas sim fomentá-la, a partir de perspectivas integrais e interdisciplinares em seu desenvolvimento, baseado não só nos benefícios e nas transformações numéricas – que são muitas -, mas também, emocionais e humanas.
Para o mercado de tecnologia, é uma grande oportunidade. Empresas compreenderem as questões éticas, estão – e estarão – cada vez mais à frente da evolução. A sociedade e, especialmente, as novas gerações, buscam alinhamento de propósito e preocupação com ações e inovações que gerem impactos socioambientais negativos. Ética na tecnologia, a exemplo de empresas âeco-friendly
â , é sobretudo um investimento requerido, prosperidade de mercado e uma vantagem competitiva indispensável. A âApple entendeu bem issoâ.
Como muito comentado por aí: não é possível alcançar um nível superior na tecnologia com um nível inferior de ética. E é para isso que é crucial unir esforços