Um cinéfilo digno do nome deve se preocupar em conhecer a fundo a história do cinema. Deve também procurar, no circuito atual, algo além dos filmes badalados em shopping centers, que geralmente são os mesmos do Oscar.

O problema é que talvez este seja o período mais difícil para se atingir essas coisas, ao menos de forma legal. Começando pelo cinema contemporâneo. Mesmo nas grandes cidades, os cinemas são cada vez mais ocupados pelas grandes produções hollywoodianas ou pelos filmes brasileiros produzidos, ou distribuídos pela Globo. Quem pretende ver algum filme europeu, oriental ou africano precisa morar nas maiores capitais e ainda assim tentar encaixar sua agenda com os poucos horários programados, quando eles estreiam (no caso dos africanos, tem sido raridade).

As distribuidoras independentes adiam constantemente suas estreias porque um filme mal lançado tende a dar prejuízo, e filme bem-lançado, dentro do que seria ideal, é quase impossível de acontecer. E, sobretudo, não há espaço no circuito, porque os exibidores tendem a procurar as escolhas óbvias. Pior, geralmente esses filmes menores só encontram espaço quando já estão disponíveis nos torrents da vida. O cinéfilo não está preocupado com esse círculo vicioso, mas deveria.

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Com o streaming acontece a mesma coisa. O cinéfilo precisa assinar todos os serviços para ter à disposição um catálogo comparável ao de uma boa locadora de bairro nos anos 1990. Ele vai pegar o filme com uma qualidade de imagem muito superior, e geralmente no formato certo da tela (o tal do aspect ratio, nem sempre respeitado no streaming, geralmente desrespeitado nos canais de TV, mesmo os pagos).

Daí que, para não recorrer a métodos ilegais para ver um bom número de filmes essenciais da história do cinema, o cinéfilo precisa importar mídia física do exterior. E depois, será garfado impiedosamente pelos impostos de importação.

Algumas distribuidoras de DVD, como a Versátil e a Obras-primas do cinema, têm se esforçado ao máximo para manter um bom catálogo em circulação. Mas para encontrar esses DVDs o cinéfilo precisa ser arisco, pois eles logo saem de catálogo, e comprar pela internet, geralmente, porque as grandes livrarias estão falidas e suas prateleiras estão vazias (também porque o público prefere baixar filmes e livros a comprar o material físico, contribuindo para essa situação).

É bem provável que não exista mais cinefilia de fato. Ou que ela seja muito mais rara que há alguns anos. O que existe aos montes é gente que vê filmes para ter assunto nas redes sociais. E nós, do pequeno bando de doentes que ainda se preocupam em buscar algo além do que está sendo comentado no momento, vivemos nas sombras das badalações, admirando ou se decepcionando com o que foge aos holofotes. Vivemos felizes assim. Mas poderia ser menos difícil.